Apenas Palavras - Sulamita Cruz
No princípio era o verbo...
E o verbo se fez carne...
Sempre fui permeada de palavras. Cheia delas, e mesmo quando faltavam eu ainda era cheia disso. Vejo palavras em tudo e tudo que vejo, de alguma forma, transformo em palavras. Não me imagino de forma alguma me apoderando delas, ou as amarrando dentro de capas duras, enfim. Voltando com elas de onde elas vieram.
De repente percebi o quanto palavra emociona e o tanto de palavra que cabe dentro de mim, e por mais que tento tirá-las daqui elas continuarão palavras. De mim, só saem e entram palavras.
Assim, só me resta, com palavras tentar buscar um entendimento do meu processo artístico. Usando de palavras-chaves (de praxe) diria que essas seriam: palavra, obsessão, feminino, arquivo. Porém, vendo estas todas juntas perco um pouco o sentido. Palavras são muito vazias quando pra nominar as coisas, principalmente quando essas coisas são tudo o que sai de mim.
Não sei precisar quando essas palavras invadiram também meus desenhos, acho que sempre estiveram juntos. Tão juntos que não os vejo como coisas diferentes mais. Eles se afiguram assim.
Quando conheci o trabalho de Annette Messager entendi um pouco melhor como essas imagens podem caminhar juntas. Seus trabalhos vieram como marulhar para meus pensamentos e também para as minhas imagens. Consegui ser mais livre. Admirar tem dessas coisas. Admirar não pode ser só um verbo, não é pra mim.
admiração
s. f.
1. Sentimento agradável que se apodera do ânimo ao ver coisa extraordinária, bela ou inesperada.
2. Objecto!Objeto que causa admiração.
3. Espanto.
ponto de admiração: sinal (!) com que se nota uma expressão admirativa.
admirar
v. tr.
1. Ver com admiração.
2. Causar admiração ou estranheza.
v. pron.
3. Sentir admiração ou estranheza.
É nesse sentido que entendo verbo como carne. Quando este se mostra além de simples verbo, de simples palavra. Usando palavras da própria Annette:
“I have never started off from the basis of a color or a form , but always from a word. The word has been a trigger. I am a word thief!”
Assim é pra mim. Parto sempre de uma palavra/sentimento. Como se realmente palavras fossem gatilhos, catapultas eu diria. Sou lançada a diversos lugares a partir de um simples vocábulo. E mesmo quando eles nao aparecem literalmente, é certo que elas passaram por ali em algum momento.
Como Annette, assumo múltiplas personagens enquanto escrevo. Vivencio as experiências do que narro. A leitura me carrega pra um outro estado, pra uma certa vivência do que está sendo narrado, já quando escrevo vou construindo esse outro estado. Sai das minhas próprias mãos, e muitas vezes do meu controle.
Deste modo, não só o princípio, mas o meio e o fim são verbos. Quando uso de rolos ou da minha câmera, são os verbos que se anunciam e assumem a direção. Mesmo quando tudo acaba são eles que ficam. São eles que continuam dando sentido a tudo que está dentro do trabalho e dentro de mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário