23 de janeiro de 2010

The Old Man and the Sea

Continuando no caminho das pinturas que se movem, hoje apresento-lhes o russo Alexander Petrov, com a animação "O Velho e o Mar".





JF

22 de janeiro de 2010

bolivia, mi hermano de otro idioma

ruínas de tiahuanaco, sítio com maior registro de incidência de dinossauro na américa do sul,
as indescritíveis cores, minha sobrevivência nas alturas, a comunicação vital entre duas línguas diferentes,
os outros símbolos, e principalmente, a descrição literária de minha postura estrangeira.

minha coluna a partir da próxima sexta feira, será escrita diretamente da bolívia e será a narração
primeira desta experiência pluricultural que proponho para o deslocamento de minha pessoa,
para além do meu usual territorialismo geográfico/artístico/literário.


espero que acompanhem as próximas palavras, pois serão fruto primário do hibridismo de uma
língua que não falo (espanhol), com uma língua que procurarei não usar para me defender (português).


(mariana de matos

21 de janeiro de 2010

entrevista com Jairo Ferreira/parte I

Trago-lhes a primeira parte de uma entrevista memorável com Jairo Ferreira, feita por Paulo Sacramento e Arthur Autran, no tempo em que ambos estudavam cinema na ECA-USP. Foi publicada no número 1 (setembro de 1991) da revista Paupéria, editada pelos dois acima e por Vitor Ângelo.

Créditos ao JT, editor do blog cinema de invenção 



Jairo Ferreira é cineasta e crítico, escreveu o livro Cinema de Invenção, fez crítica nos jornais São Paulo Shimbun e Folha de São Paulo e dirigiu os longas O Vampiro da Cinemateca e O Insigne Ficante, além de vários curtas.



P: Você está relançando o seu livro cinema de Invenção. Quais as alterações da nova edição?


JF: A nova edição será revista e ampliada. Vai ter 5 novos capítulos, uns 3 ou 4 de complementação teórica, mas isto não chega ainda ao que era o projeto original. Este era um livro de 400 ou 500 páginas, é por isso que eu demorei tanto para preparar o livro. Comecei em 77 e ele só foi publicado em 86. Como eu não encontrava editora para publicar um livro tão volumoso eu tive que fazer uma versão de 300 páginas.


O livro pretendia acompanhar cronologicamente a evolução do experimental no cinema brasileiro. Alguns cineastas continuam até hoje fazendo filmes, mas isso não faz parte do cinema experimental como movimento. Não tem nenhum cineasta que fez parte do cinema marginal que está fazendo cinemão atualmente. Aliás, tem, viu. Eu estou pensando no Neville d'Almeida. Ele começou fazendo cinema experimental e a partir do A Dama do Lotação aderiu ao cinemão. Ele não fez parte da primeira versão do livro porque eu achei que ele não tinha importância para entrar como um capítulo. Ele ficou furioso, na época eu estava na Embrafilme e ele me telefonou dando um esporro, dizendo não admitir um livro falando de cinema de invenção e não citando os seus filmes.


Além do Neville ficaram de fora outros cineastas como Geraldo Veloso, Elyseu Visconti e o Caetano Veloso. Pois Cinema Falado é um filme isolado, não faz parte do marginal como movimento. Ao mesmo tempo, ao fazer um levantamento do cinema marginal eu acabei fazendo um levantamento do cinema brasileiro. Marginal é o nome dado pelo pessoal da Boca do Lixo, mas experimental é um nome que resiste mais ao tempo. Limite é um filme experimental, no entanto não é da Boca do Lixo. O cinema experimental começou antes com Tesouro Perdido do Humberto Mauro, se é que não começou antes com os filmes do início do século que já se perderam. Aí eu fui fazendo um levantamento de todos os ciclos do cinema brasileiro até chegar ao ciclo experimental que é a síntese. Para entender bem isso há uma colocação minha: o cinema novo no começo dos anos 60 surgiu como o primeiro movimento que deu respeitabilidade ao cinema brasileiro. Nosso cinema não era respeitado nem aqui nem lá fora, era um folclore dizer que tinha um filme chamado O Cangaceiro que passou no mundo todo. Com o cinema novo o cinema brasileiro começou a tomar consciência da sua própria evolução. O cinema marginal é filho do cinema novo, ou melhor, irmão. Só que houve uma briga, uma ruptura, porque o cinema novo estacionou numa coisa política enquanto o cinema marginal continuou revolucionando não só na forma como nas idéias. O cinema novo tinha deixado de ser revolucionário para ser reacionário. Tem várias distinções a fazer entre o cinema novo e o cinema marginal. Eu estava pensando agora numa coisa nova,nunca dita por mim de forma explícita como eu vou dizer agora: o cinema novo era um negócio político, sociológico, de uma ideologia marxista, enquanto o cinema experimental não tem uma ideologia definida, não é marxista, pelo contrário, se liga em coisas de exoterismo, ocultismo e tal. Pode pegar um por um, a começar pelo Mojica, um dos grandes inspiradores, são todos místicos. O Elyseu Visconti é pai-de-santo. Já no cinema novo não tem nenhum místico.


P: Como foi a repercussão do seu livro?


JF: Foi a melhor que um livro sobre cinema brasileiro já teve no Brasil. Foi elogiado em todos os estados, eu tenho um book desta altura só de elogios, só houve uma resenha contra, do Fernão Ramos. Muitos acharam que foi o livro mais importante do cinema brasileiro. Eu não posso dizer se é ou não, ainda não consegui fazer uma auto-crítica a esse nível. A repercussão foi imensa. O editor calculou mal, fez só dois mil exemplares e o livro esgotou em três meses. O editor faliu e eu estou tentando relançar o livro por outra editora.


P: Os textos inéditos são da época ou foram escritos especialmente para a nova edição?


JF: Na versão original de 500 páginas tinha capítulos com Gustavo Dahl e Paulo César Sarraceni. Sarraceni é cinema novo, mas ele entrou por causa de um filme chamado Amor, Carnaval e Sonhos. Este aí não tem nada de cinema novo. O Gustavo entrou porque O Bravo Guerreiro é tanto cinema novo quanto experimental, tem uma coisa de curtir o desespero que não é bem cinema novo. Agora eu reescrevi e publiquei no Cine-Imaginário todos os capítulos que vão entrar na segunda versão. Os capítulos que vão entrar são Neville, Geraldo Veloso, Caetano Veloso, Arthur Omar e Martico, que fez Adiós General com roteiro do Rosemberg, e o Sílvio Lana que fez o Sagrada Família.


P: Além da sua atividade crítica você realizou alguns filmes em super-8. Você conseguiu distribuir estes filmes?


JF: Em matéria de acumular funções acho que bati o recorde, porque eu comprei a máquina, o projetor, montei, fui ator, sonorizei, produzi, roteirizei, mixei, fiz a música no violão.Eu exibi e projetava na casa de amigos, já que era para brincar de cinema experimental quis mostrar ser possível exagerar nas funções.



Comercialmente não teve exibições, apenas caseiras e em cine-clubes, por exemplo em 77 eu inaugurei o cine-clube Riviera no restaurante Riviera. Passou o filme Hoje é dia de futebol do Zé Antônio Garcia que era o primeiro super-8 dele e era complemento do meu filme O Vampiro da Cinemateca.Só que inaugurou e fechou logo em seguida porque correu um boato de que tinha uma cena de pornografia no filme, de fato tinha uma cena rapidinha, mas era pornográfica mesmo. Aí o cine-clube inaugurou e fechou no mesmo dia.



P: E como você vê o fim do super-8?



JF: Eu acho que o super8 pode ser ressuscitado a qualquer instante, assim que tiver laboratório para revelar aqui. Ele comporta a utilização profissional.A película suporta até 100 anos, o vídeo por mais que se conserve, a imagem vai caindo.


P: Em um artigo seu na revista Artes você chama atenção para o fato deste cinema ter sido pouco visto.Existe a demonstração de um limite na proposta marginal?



JF: A coisa de ser pouco visto eu explico pelo lado do ocultismo: a coisa de iniciados é para iniciados, não adiante fazer a nível de consumo de massa. O tarô e o zen-budismo, por exemplo, viraram moda. O zen-budismo a nível de consumo de massa é absurdo, perde totalmente o sentido. Se colocar um filme marginal para ser exibido junto ao grande público este não vai aceitar, pois não é o público alvo. Este filme não foi feito para um público de maioria, foi feito para uma minoria que sempre vai ser minoria. Sempre não,com o tempo esta minoria vai aumentando, mas é coisa de séculos.


P: Mas filmes como O Bandido da Luz Vermelha foram sucesso de público. Como pode?


JF: Foi exceção. Isto é coisa que só acontece no Brasil, um país subdesenvolvido. Nos EUA o underground é exibido em escolas e coisa e tal, nunca chega a um cinema normal. Aqui no Brasil A Margem foi exibido no cine Paissandu como se fosse um filme normal. O Bandido deu certo, ficou duas semanas no Marabá e no Olido. Como é que um filme experimental como o Bandido deu certo numa sala comercial? O Bandido estava 50 anos à frente de sua época. De hoje então deve estar uns 80, pois o cinema brasileiro regrediu de lá para cá.


P: O Marabá já era na época o cinema de maior média de público?


JF: Já, sempre foi. Mas outros filmes experimentais foram exibidos em salas comerciais e ficaram apenas 2 ou 3 dias. Eu comecei no Shimbum em 65 e deixei em 72, então eu acompanhei o movimento todinho lá, você pode ver que várias vezes quando eu comento um lançamento do chamado cinema marginal na platéia só estavam eu, o Carlão e dois espectadores. O Longo Caminho da Morte, do Calasso, no cine Marachá, só teve 3 ou 4 espectadores na sessão das oito quando eu fui. O Gamal, do João Batista de Andrade, se bem que seja um equívoco, a proposta é marginal mas beirou a ideologia fascista, ficou 4 dias quando lançado no cine Paulistano. Até chegar uma hora na qual os exibidores se mancaram: "esses filmes marginais, da Boca do Lixo, não vamos lançar mais, pois afinal todos afundaram". Não lançaram e nem podiam lançar, pois estavam todos presos na censura. Entre 70 e 71 a censura proibiu um lote de 50 filmes.


P: E estes filmes faziam carreira no interior do país também?


JF: Foram lançados nas capitais, interior do país raramente, assim como no exterior raramente por iniciativa própria dos diretores. O Rogério levou para a Europa O Bandido da Luz Vermelha, exibiu na França para cineastas franceses, mas não aconteceu nada. O Bressane exibiu todos os filmes dele em Londres e dizem que escola onde foram exibidos fizeram sucesso, o que ele não prova porque nunca mostrou documentos disso, e fica difícil acreditar num cara que de dez coisas que ele fala nove são mentiras totais.




Paula Motta

20 de janeiro de 2010

O cinema e a arquitetura_

Se tratando da aproximação entre arquitetura e cinema, imaginemos essa conversa fictícia entre Walter Benjamin e Le Corbusier. Le Corbusier, o arquiteto de um mundo novo, via com entusiasmo a modernidade e suas conseqüências, já Benjamin, com inquietude, refletia sobre a influência da reprodutibilidade técnica na obra de arte.

Os diálogos abaixo foram retirados de dois ensaios dos pensadores: “Esprit de Vérité” de Le Corbusier, de 1933 e “A obra de arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica” de Walter Benjamin de 1935.

Postarei para vocês trecho do que seria esta conversa, no entanto, quem se interessar e quiser lê-la inteira, é só entrar em contato comigo.



Uma Conversa entre amigos

... Benjamin coloca mais uma colher de açúcar em seu café preto e forte, olha para a pequena colher de cabo trabalhado e afirma:

-A câmera intervém com seus inúmeros recursos auxiliares, suas imersões e emersões, suas interrupções e seus isolamentos. O gesto de pegar um isqueiro ou uma colher, nos é extremamente familiar, mas nada sabemos sobre o que se passa verdadeiramente entra a mão e o metal, e muito menos sobre as alterações provocadas nesse gesto pelos nossos vários estados de espírito.

-Espírito da Verdade. Aqui também, aqui essencialmente. Ao cinema: O Espírito da Verdade, diz Le Corbusier, entre um gole e outro de café. Eu já havia exigido esse atributo, urgentemente, para a arquitetura: Durante a preparação da Exposição Internacional de Artes Decorativas, em 1924, eu afirmei que a arte decorativa era, sem ter nenhum direito, penosa e incomoda. Arquitetura é verdade, cinema é o espírito da verdade. Assim, certamente o cinema é arquitetura, nas suas dimensões arquitetônicas, ordenamento e intensidade.

-Mas a arquitetura é percebida distraidamente, existe desde sempre, jamais deixou de existir. Sua historia é mais longa do que qualquer outra Arte. Grande arte de sua recepção é táctil, e não existe nada na recepção táctil que corresponda ao que a contemplação representa na recepção ótica, diz Benjamin.

- É provável que o aparelho que registra nossa visão humana, o nosso olho, seja o mais admirável e perfeito engenho ótico. Mas o que ele vê não é percebido por nada alem do nosso próprio entendimento. É sempre uma visão particular, ele é a medida da totalidade das sensações humanas. Por outro lado, nós somos limitados pela presença simultânea de outras percepções, que entrevêem ao mesmo tempo, encobrindo nossa visão, a esvaziando, a submergindo. O olho das da câmera é impassível, insensível e implacável, sem piedade e sem emotividade.

- Cinema é uma reprodução, diz Benjamin. Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui eo agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra.

- Mas a arte é uma reprodução da natureza humana. Embora o cinema se situe em seu terreno próprio, ele é uma forma de arte, um gênero, como a pintura,a escultura, o livro, a musica e o teatro são gêneros. Tudo esta aberto a investigação. O cinema é assim um gênero de arquitetura, com realidade própria , verdades próprias de composição, equilíbrio e ritmo. Seu lirismo o coloca no terreno da obra criativa.

-Sim, esta verdade própria destaca, do domínio da tradição, o objeto reproduzido, pranto atrofia a aura” do objeto: E o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante. O cinema, quando multiplica a realidade,pela reprodução, substitui a existência única da obra por uma existência serial, diz Benjamin, um pouco impaciente.

- A reprodução é o mundo novo, diz ele. A nova arquitetura é o mundo novo. O cinema é o mundo novo. Por ele nos podemos entrar na verdade da consciência humana. O drama humano nos é aberto.

-A tendência estéril de copiar o mundo exterior, com suas ruas, interiores, estações, restaurantes, automóveis e praças, tem impedido o cinema de incorporar-se ao domínio da arte.

- Benjamin olha par ao amigo e pensa que “A imagem do pintor é total, a do operador é composta de inúmeros fragmentos, que se recompõem segundo novas leis. Assim, a descrição cinematográfica da realidade é para o homem moderno, infinitamente mais significativa que a pictórica, porque ela lhe oferece o que temos o direito de exigir da arte: um aspecto da realidade livre de qualquer manipulação pelos aparelhos, precisamente graças ao procedimento de penetrar, cm os aparelhos, no âmago da realidade”

Sua atenção é desviada para a posta do café, que ao abrir, deixa entrar um vento frio que trás um casal de namorados que, muito molhado, rindo, dirige-se para uma mesa vazia. Le Corbusier, que também olhava pra a cena, volta-se para o amigo, e sorrindo e diz:

- Esta conversa vai longe. Mais um café?






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Gabriela de Matos.

19 de janeiro de 2010

A BREVE HISTÓRIA DO THE DRAGS - cap.2

"A BREVE HISTÓRIA DO THE DRAGS" é uma minissérie pra web em 10 capítulos que conta as aventuras e desventuras de Adriano, um jovem de 17 anos, e sua passagem por uma banda punk no estralar de sua adolescência. É uma história que muitos jovens brasileiros vivem, e que há pouco vem começando a ser contada pelos escritores e arranhadores de cordeis como eu, Brasil afora. Cordas, palhetas, amplis, festivais, zines, tretas, rolos, meninas e o eterno zumbido da metrópole!
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-Colei, o Ribas passou mal, gorfou na mesa dos caras. Mó bafo.


-Mané.- eu disse. A Fê olhou pra mim e pro Bernie, passou a mão na nuca e vazou.


(Acho que ela tá a fim de mim.)


-Mas Banjo é legal?


-É do caralho Bernie. Manda pau.


 Era a terceira fita que eu vendia pro Bernie. Bernardo é daqueles gordinho que usou lancheira até os 15 anos. O cara não pode fazer Educação Física que sangra o nariz, chora na aula quando senta alguém na carteira dele, esse naipe.


-55 mango.


-Cinquenta pô! Pô meu.


-Orra, vai comprar usado de neguinho, tudo bichado as fita, cê tá ligado que é nois.


Usei meu silêncio convencedor de nerds.


Bernie balançou a cabeça pros lados com a mão no bolso. -tô sem troco.- tirou uma arara e uma onça do bolso.


-Te pago um lanche, man.- fomos pra cantina e quando descíamos a escada tocou o alarme. Berine saiu correndo pra aula de química, aflito. O pátio esvaziava deixando os emos gays mais à vontade. Enrico era o mais gay dos dois e sabia todas as letras dos Smiths de cor (mas odiava Legião Urbana). Ele era o batera do The Drags.


Os dois trocavam selinhos e arrumavam a franja um do outro.


-E amanhã, hidrocarboneto pessoal. Beijo no coração!


Quique, o professor-de-química-gente-fina, vestiu seu jaleco com um girassol de plástico na lapela enquanto a galera escoava pela porta. A Fê, o Fiuzzo (que eram um ano acima) e o Enrico trocavam uma ideia de alguma coisa.


-Daí te mando um scrap, beijinho pra vocês.- Enrico saiu fora de moto, com seu "caso" de 16 anos na garupa.


-OW! - Gritei pra ele. -Vamo ensaiar?-


-Cês que sabem flor. Me liga. Beijo.


Eu fiquei de tocaia enquanto o Fiuzzo e a Fê combinavam com quem ia ficar a batera no fim-de-semana.


-Bora ensaiar mano? Fiz umas músicas.


-Orra, ainda nem te passei as nossas, calmaí mano. Cê precisa sacar nosso lance.


-Quero ver porrada no show hein meu. - A Fê era da pesada. Peraí. Show???


-Show???


-É mano, cê vai ter que correr!


-Descolei a corda mano. Da hora.


Eu achei que demorava uns seis meses pra ter show. Fudeu. Eu nunca tinha tocado na minha vida.






Fábio Cardelli.
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@fabiocardelli é convidado do Espaço Fluxo para escrever sobre música e cultura alternativa. Nascido em 1984, taurino com ascendente em câncer, tem seis cactos e cinco religiões. Entre elas, toca numa banda.

18 de janeiro de 2010

é preciso acabar com as obras-primas

parir arte contempla vaidade ou desejo elucidador? a criação que presta para o pó, para o resguardo da história, deleita-se na imortalidade ou na própria morte?
fracassar é não parir e não atestar-se como criador ou constatar seu desassossego sem sabê-lo velejar?
com a exaltação que devo oferecer-lhes, sou trazida mais vez pelo idealista/visionário antonin artaud; atual e sem lirismo comedido, ei-lo:

uma das razões da atmosfera asfixiante na qual vivemos sem escapatória possível e sem remédio- e pela qual somos todos um pouco culpados, mesmo os mais revolucionários dentro de nós- é o respeito pelo que é escrito, formulado ou pintado e que assumiu uma certa forma, como se toda a expressão já não estivesse exaurida e não tivesse chegado ao ponto em que é preciso que as coisas estourem para que se recomece tudo de novo.
é preciso acabar com as idéias das obras-primas reservadas a uma auto-intitulada elite e que a massa não entende.
as obras-primas do passado são boas para o passado; não servem para nós.
a massa, hoje como antigamente, tem fome de mistério: pede apenas para tomar consciência das leis segundo as quais o destino se manifesta e, talvez, adivinhar o segredo de suas aparições.
se a massa não vai até as obras-primas é porque essas obras-primas são literárias, isto é, imobilizadas; e imobilizadas em formas que não atendem mais às necessidades deste tempo.
se a massa se desacostumou a ir ao teatro; se acabamos todos por considerar o teatro uma arte inferior, um modo de distração vulgar, utilizando como exutório para nossos maus instintos, foi de tanto nos repetirem que tudo isso era teatro, quer dizer, mentira e ilusão. foi porque nos acostumaram, há quatrocentos anos, desde a renascença, a um teatro puramente descritivo e narrativo, que narra a psicologia.
esta idéia de arte desligada, de poesia-encanto que só existe para encantar o lazer, é uma idéia de tempos de decadência e demonstra claramente nosso poder de castração.
trata-se de saber o que queremos. se estamos prontos para a guerra, a peste, a fome e o massacre não precisamos nem dizer nada, basta continuar como estamos.
basta de poemas individuais e que servem mais a quem os faz do que aos seus leitores. basta, de uma vez para sempre, com todas essas manifestações de arte fechadas, egoístas e pessoais.
ou seremos capazes de retornar, através dos meios modernos e atuais, a esta idéia superior da poesia e da poesia pelo teatro que existe por trás dos mitos,
ou só nos resta nos rendermos sem reação e imediatamente e reconhecer que só prestamos mesmo para a desordem, a fome, o sangue, a guerra e as epidemias.
ou fazemos com que todas as artes sem voltem para uma atitude e uma necessidade centrais, encontrando uma analogia entre um gesto feito na pintura ou no teatro e um gesto feito pela lava do desastre de um vulcão, ou devemos parar de pintar, de vociferar, de escrever e de fazer seja lá o que for.
existe um risco nisso tudo, mas acho que nas circunstâncias atuais vale a pena corrê-lo.


(ana pedrosa