2 de abril de 2010

a literatura como ferramenta para uma guerrilha a literatura como espectro a infiltrar nas medidas mais impossíveis a literatura para a compreensão quando como a não literatura
a literatura como o verbo para manifestar o indizível. e como se não fosse assim tão importante, põe-se a adentrar nos maneirismos da vida nos compromissos de ir e vir
no ônibus no asfalto no trânsito no desgosto - e põe-se a revirar o olho do que o olho
está demasiado acostumado a ver, para o absurdo da palavra mutante.
por que [

pássaro é balão que volta pra casa.
balão é pássaro que não descansa.

31 de março de 2010

A BREVE HISTÓRIA DO THE DRAGS - cap. 5

"A BREVE HISTÓRIA DO THE DRAGS" é uma minissérie literária pra web em 10 capítulos que conta as aventuras e desventuras de Adriano, um jovem de 17 anos, e sua passagem por uma banda punk no estralar de sua adolescência. É uma história que muitos jovens brasileiros vivem, e que há pouco vem começando a ser contada pelos escritores e cordeis elétricos Brasil afora. Cordas, palhetas, amplis, festivais, zines, tretas, rolos, meninas e o eterno zumbido da metrópole!
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Adriano chega com seu baixo Gianinni velho e desregulado do pai a tiracolo, para o ensaio no quintal da casa de Enrico (o baterista gay). O ensaio foi marcado para as 15h30, depois da aula da física. Adriano chega às 15h27 e Enrico está montando as parafernálias baterísticas, vestindo tênis Adidas sem meia e um shorts roxo, com listras e picotinhos do lado.

Adriano senta num canto do quintal de alvenaria descascada, com matinhos saindo dos cantos. Uma tia de uns 65 anos, loira, de olho azul e presilinha no cabelo dá a bença, fumando um cigarrinho numa cadeira de palha. Adriano sabia por Enrico que ela era soropositiva há 15 anos. Enrico morava com ela e a mãe, uma empresária durona do ramo de energia.


Adriano tirou do bag do baixo uma MAD de 1986 do pai, e começou a ler. 20 minutos depois, Enrico terminava de afinar as peles num TONC TINC TONC infernal, quando a tia loira quebrou o silêncio, entrando na casa e perguntando a Adriano:


-Cerveja?


Adriano fez que sim com o polegar.


-Você vai ligar a-qui. - Enrico estendeu um cabo P10 a Adriano, conectado a um falante de um Gianinni.


-Doidêra- respondeu Adriano, já puxando o zíper do bag, onde dormia o sunburst Giannini. Pensou na coincidência feliz de estar tocando com equipamento 100% nacional. Adriano era um punk nato. A tia chegou com uma Crystal geladinha.


Enrico jogou sua franja pra trás, sentou na cadeira metálica de bar em frente à bateria Tama prateada, e disse: "manda um som!".


Adriano destacou o anel da latinha, e usando de palheta no baixo, fez:


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2 ------------ --------- --------- --------- --------- --------- -------
3 ------------ --------- --------- --------- --------- 2-2-2-2-2- 2-2-2-
4 4-4-4-4-4-4- 4-4-2-2-2- 2-2-2-2-2- 4-4-4-4-4- 4-4-4---- --------- ----


E Enrico mandou uma linha responsa na batera. Adriano sentiu firmeza.


Fiuzzo, o líder, chegou às 16h42, de carona com o pai, com sua guitarra fodona a tiracolo e seu amplificador Marshall. Os dois praticamente não se emocionaram com sua chegada, ou talvez, nem ouviram direito, com as cabeças abaixadas mandando o mesmo riff há quase meia hora. Fiuzzo tenta se enturmar enquanto arruma as coisas: "e essa sonzera aê!". Enrico faz uma virada meio torta e diz forçando o tom gay:


-Fí! Não te falei que tinha cabeleireiro cinco e meia?-


-Vamo mandar brasa aí, pegou as músicas Dan?- Fiuzzo tergiversou.


-Mais ou menos.. (pausa) não. Tinha uma em ré.


Nos quarenta minutos seguintes, tocaram "Wasted" do Black Flag 12 vezes, a única que Adriano já sabia de cor
 
 
E mandaram toscamente duas músicas próprias malacabadas, "Life is a Drag e "Wake Up Every Day". Nas duas, o trio se olhou depois de Fiuzzo ter acabado de berrar a letra no microfone de karaokê que dava choque, e tentou fazer um "acorde final", que não rolou. A banda dava seus primeiros passos com formação completa, após 6 meses de Fiuzzo e Enrico tocando sozinhos.




Adriano se fudia pra tentar entrar no ritmo, Fiuzzo perdia a paciência nas músicas próprias (que ele tinha escrito) e acabava pedindo pro Adriano tocar a mesma nota o tempo todo, pra não sair do compasso. Fiuzzo é do tipo meio crânio que não tem paciência com os outros e xinga. Enrico é o unico q dá um baile em Fiuzzo, ambos são amigos desde pequenos e Enrico já deu em cima de Fiuzzo quando eram mais novos. Adriano sofre, ouve quieto, mas ao fim do ensaio sai com uma boa sensação, o vento batendo no rosto e a avenida ao seu alcance. Oito quadras com o baixo na lomba e a sensação de fazer algo realmente diferente pela primeira vez na vida. Pensa em olhos de menina. Euforia.


(continua... .)


Quantas bandas você acha que existem hoje no Brasil?


Fábio Cardelli


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@fabiocardelli é convidado do Espaço Fluxo para escrever sobre música e cultura alternativa. Nascido em 1984, taurino com ascendente em câncer, tem seis cactos e cinco religiões. Entre elas, toca numa banda.

29 de março de 2010

27 de março- dia mundial do teatro

viemos celebrar o dia 27 de março que, em todo o mundo, comemora-se o teatro.
sem simulacros ou encenações, essa data é precisamente de uma ordem simbólica muito forte.
se o teatro é em si duplo à vida, comemoraremos a vida pela descoberta de decodificá-la como tal arte e, portanto também, a todos nós- não como personagens manipulados por um roteiro, diretor ou fantoche, mas pela atividade de sermos nós mesmos o próprio teatro.


hoje, depois das grandes revoluções culturais do século XX, da subversão da estética, do conhecimento da natureza e essência da arte, é possível estarmos esclarecidos de que, diferentemente do colocado por platão na idade média, o teatro não é mímese- não é diversão nem tampouco alienação que tende a existir para desviar-nos das questões organizacionais e estruturais da sociedade.
pois bem, hoje ainda fazem esse teatro como entendido por platão (desviando o teatro dele mesmo), dando o nome de entretenimento (como parque de diversão, circo e etc). 
me pergunto se não podemos nos divertir sem estarmos alienados à vida?
o poder ainda direciona uma linguagem que nasceu para subverter convenções. um atraso, um retrocesso, uma ortodoxia, já que não estamos mais na idade média.


aqui no brasil, materiais sobre a vanguarda teatral são/foram publicados cerca de 40 anos após sua ação na europa. quer dizer, quem tem conhecimento da localização do teatro hoje, depois de transformações, proposições e descobertas, são os acadêmicos e sabemos que a maioria dos profissionais que geram nosso teatro vêm de escolas autônomas.
não quero dizer que os que geram um teatro que circula no brasil não sabem das grandes discussões ou desenvolvimento teatral. mas se sabem, não fazem.


as propostas de alguns grupos de teatro, que exaustivamente tento buscar para mostrar aqui, são propostas de uma riqueza experimental que advém de uma herança encravada radicalmente na estética de que fazem uso. assim, não forjam o conhecimento e as nuances do teatro à sociedade.
obviamente, esses grupos não dispõe de uma logística e de uma mídia que a divulgue, direcione ou os façam circular. 
a verba existe para aquilo que se entende como teatro. assim, permanece um processo separatista, calculado e extremamente elitista. 


quando o teatro sai às ruas, isso significa muito mais um apropriação da palavra teatro pelo circo do que o verdadeiro patamar existencial do teatro.




a grande preocupação que venho colocar é a celebração do dia mundial do teatro, especificamente no brasil de onde falo, ser um dia qualquer, sem grandes alardes, manifestações. 
não se trata de injetar uma falsa importância, de demagogia ou supervalorização.
se trata de entender que a vida só fará sentido sob a verdadeira magia, que o brasil é um país sem gravatas, de conhecimento empírico e enraizado: o verdadeiro teatro acontece- a arte brasileira está nas suas mais genuínas manifestações: o maracatu, o samba. isso proclamado e sistematizado celebra o aniversário merecido ao teatro e também à cultura brasileira.
se trata de entender que o teatro colocado nos anfiteatros continua sendo uma novela da rede globo, fazendo uso de pequenas e sutis simulações e manipulações para forjar a diferença, parecer alta cultura (como se isso fosse realmente importante), um teatro esclarecido e esclarecedor.


sabermos disso é nos devolver a consciência. e, como ensinado por meu grande amigo calixbento, a consciência é o motor para toda ação e transformação. 


um povo que não fomenta seu teatro, se não está morto, está moribundo.- garcia lorca




minha intenção era de fazer um apanhado do teatro mambembe e da tragédia grega- o surgimento do teatro- para comemorar esse dia. 
mas deixarei sempre a emoção me guiar para dizer o que deve ser dito, por mais que sempre pareça (e talvez seja mesmo) apenas um esboço.


axé à todos!
(ana pedrosa