18 de janeiro de 2010

é preciso acabar com as obras-primas

parir arte contempla vaidade ou desejo elucidador? a criação que presta para o pó, para o resguardo da história, deleita-se na imortalidade ou na própria morte?
fracassar é não parir e não atestar-se como criador ou constatar seu desassossego sem sabê-lo velejar?
com a exaltação que devo oferecer-lhes, sou trazida mais vez pelo idealista/visionário antonin artaud; atual e sem lirismo comedido, ei-lo:

uma das razões da atmosfera asfixiante na qual vivemos sem escapatória possível e sem remédio- e pela qual somos todos um pouco culpados, mesmo os mais revolucionários dentro de nós- é o respeito pelo que é escrito, formulado ou pintado e que assumiu uma certa forma, como se toda a expressão já não estivesse exaurida e não tivesse chegado ao ponto em que é preciso que as coisas estourem para que se recomece tudo de novo.
é preciso acabar com as idéias das obras-primas reservadas a uma auto-intitulada elite e que a massa não entende.
as obras-primas do passado são boas para o passado; não servem para nós.
a massa, hoje como antigamente, tem fome de mistério: pede apenas para tomar consciência das leis segundo as quais o destino se manifesta e, talvez, adivinhar o segredo de suas aparições.
se a massa não vai até as obras-primas é porque essas obras-primas são literárias, isto é, imobilizadas; e imobilizadas em formas que não atendem mais às necessidades deste tempo.
se a massa se desacostumou a ir ao teatro; se acabamos todos por considerar o teatro uma arte inferior, um modo de distração vulgar, utilizando como exutório para nossos maus instintos, foi de tanto nos repetirem que tudo isso era teatro, quer dizer, mentira e ilusão. foi porque nos acostumaram, há quatrocentos anos, desde a renascença, a um teatro puramente descritivo e narrativo, que narra a psicologia.
esta idéia de arte desligada, de poesia-encanto que só existe para encantar o lazer, é uma idéia de tempos de decadência e demonstra claramente nosso poder de castração.
trata-se de saber o que queremos. se estamos prontos para a guerra, a peste, a fome e o massacre não precisamos nem dizer nada, basta continuar como estamos.
basta de poemas individuais e que servem mais a quem os faz do que aos seus leitores. basta, de uma vez para sempre, com todas essas manifestações de arte fechadas, egoístas e pessoais.
ou seremos capazes de retornar, através dos meios modernos e atuais, a esta idéia superior da poesia e da poesia pelo teatro que existe por trás dos mitos,
ou só nos resta nos rendermos sem reação e imediatamente e reconhecer que só prestamos mesmo para a desordem, a fome, o sangue, a guerra e as epidemias.
ou fazemos com que todas as artes sem voltem para uma atitude e uma necessidade centrais, encontrando uma analogia entre um gesto feito na pintura ou no teatro e um gesto feito pela lava do desastre de um vulcão, ou devemos parar de pintar, de vociferar, de escrever e de fazer seja lá o que for.
existe um risco nisso tudo, mas acho que nas circunstâncias atuais vale a pena corrê-lo.


(ana pedrosa

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