21 de janeiro de 2010

entrevista com Jairo Ferreira/parte I

Trago-lhes a primeira parte de uma entrevista memorável com Jairo Ferreira, feita por Paulo Sacramento e Arthur Autran, no tempo em que ambos estudavam cinema na ECA-USP. Foi publicada no número 1 (setembro de 1991) da revista Paupéria, editada pelos dois acima e por Vitor Ângelo.

Créditos ao JT, editor do blog cinema de invenção 



Jairo Ferreira é cineasta e crítico, escreveu o livro Cinema de Invenção, fez crítica nos jornais São Paulo Shimbun e Folha de São Paulo e dirigiu os longas O Vampiro da Cinemateca e O Insigne Ficante, além de vários curtas.



P: Você está relançando o seu livro cinema de Invenção. Quais as alterações da nova edição?


JF: A nova edição será revista e ampliada. Vai ter 5 novos capítulos, uns 3 ou 4 de complementação teórica, mas isto não chega ainda ao que era o projeto original. Este era um livro de 400 ou 500 páginas, é por isso que eu demorei tanto para preparar o livro. Comecei em 77 e ele só foi publicado em 86. Como eu não encontrava editora para publicar um livro tão volumoso eu tive que fazer uma versão de 300 páginas.


O livro pretendia acompanhar cronologicamente a evolução do experimental no cinema brasileiro. Alguns cineastas continuam até hoje fazendo filmes, mas isso não faz parte do cinema experimental como movimento. Não tem nenhum cineasta que fez parte do cinema marginal que está fazendo cinemão atualmente. Aliás, tem, viu. Eu estou pensando no Neville d'Almeida. Ele começou fazendo cinema experimental e a partir do A Dama do Lotação aderiu ao cinemão. Ele não fez parte da primeira versão do livro porque eu achei que ele não tinha importância para entrar como um capítulo. Ele ficou furioso, na época eu estava na Embrafilme e ele me telefonou dando um esporro, dizendo não admitir um livro falando de cinema de invenção e não citando os seus filmes.


Além do Neville ficaram de fora outros cineastas como Geraldo Veloso, Elyseu Visconti e o Caetano Veloso. Pois Cinema Falado é um filme isolado, não faz parte do marginal como movimento. Ao mesmo tempo, ao fazer um levantamento do cinema marginal eu acabei fazendo um levantamento do cinema brasileiro. Marginal é o nome dado pelo pessoal da Boca do Lixo, mas experimental é um nome que resiste mais ao tempo. Limite é um filme experimental, no entanto não é da Boca do Lixo. O cinema experimental começou antes com Tesouro Perdido do Humberto Mauro, se é que não começou antes com os filmes do início do século que já se perderam. Aí eu fui fazendo um levantamento de todos os ciclos do cinema brasileiro até chegar ao ciclo experimental que é a síntese. Para entender bem isso há uma colocação minha: o cinema novo no começo dos anos 60 surgiu como o primeiro movimento que deu respeitabilidade ao cinema brasileiro. Nosso cinema não era respeitado nem aqui nem lá fora, era um folclore dizer que tinha um filme chamado O Cangaceiro que passou no mundo todo. Com o cinema novo o cinema brasileiro começou a tomar consciência da sua própria evolução. O cinema marginal é filho do cinema novo, ou melhor, irmão. Só que houve uma briga, uma ruptura, porque o cinema novo estacionou numa coisa política enquanto o cinema marginal continuou revolucionando não só na forma como nas idéias. O cinema novo tinha deixado de ser revolucionário para ser reacionário. Tem várias distinções a fazer entre o cinema novo e o cinema marginal. Eu estava pensando agora numa coisa nova,nunca dita por mim de forma explícita como eu vou dizer agora: o cinema novo era um negócio político, sociológico, de uma ideologia marxista, enquanto o cinema experimental não tem uma ideologia definida, não é marxista, pelo contrário, se liga em coisas de exoterismo, ocultismo e tal. Pode pegar um por um, a começar pelo Mojica, um dos grandes inspiradores, são todos místicos. O Elyseu Visconti é pai-de-santo. Já no cinema novo não tem nenhum místico.


P: Como foi a repercussão do seu livro?


JF: Foi a melhor que um livro sobre cinema brasileiro já teve no Brasil. Foi elogiado em todos os estados, eu tenho um book desta altura só de elogios, só houve uma resenha contra, do Fernão Ramos. Muitos acharam que foi o livro mais importante do cinema brasileiro. Eu não posso dizer se é ou não, ainda não consegui fazer uma auto-crítica a esse nível. A repercussão foi imensa. O editor calculou mal, fez só dois mil exemplares e o livro esgotou em três meses. O editor faliu e eu estou tentando relançar o livro por outra editora.


P: Os textos inéditos são da época ou foram escritos especialmente para a nova edição?


JF: Na versão original de 500 páginas tinha capítulos com Gustavo Dahl e Paulo César Sarraceni. Sarraceni é cinema novo, mas ele entrou por causa de um filme chamado Amor, Carnaval e Sonhos. Este aí não tem nada de cinema novo. O Gustavo entrou porque O Bravo Guerreiro é tanto cinema novo quanto experimental, tem uma coisa de curtir o desespero que não é bem cinema novo. Agora eu reescrevi e publiquei no Cine-Imaginário todos os capítulos que vão entrar na segunda versão. Os capítulos que vão entrar são Neville, Geraldo Veloso, Caetano Veloso, Arthur Omar e Martico, que fez Adiós General com roteiro do Rosemberg, e o Sílvio Lana que fez o Sagrada Família.


P: Além da sua atividade crítica você realizou alguns filmes em super-8. Você conseguiu distribuir estes filmes?


JF: Em matéria de acumular funções acho que bati o recorde, porque eu comprei a máquina, o projetor, montei, fui ator, sonorizei, produzi, roteirizei, mixei, fiz a música no violão.Eu exibi e projetava na casa de amigos, já que era para brincar de cinema experimental quis mostrar ser possível exagerar nas funções.



Comercialmente não teve exibições, apenas caseiras e em cine-clubes, por exemplo em 77 eu inaugurei o cine-clube Riviera no restaurante Riviera. Passou o filme Hoje é dia de futebol do Zé Antônio Garcia que era o primeiro super-8 dele e era complemento do meu filme O Vampiro da Cinemateca.Só que inaugurou e fechou logo em seguida porque correu um boato de que tinha uma cena de pornografia no filme, de fato tinha uma cena rapidinha, mas era pornográfica mesmo. Aí o cine-clube inaugurou e fechou no mesmo dia.



P: E como você vê o fim do super-8?



JF: Eu acho que o super8 pode ser ressuscitado a qualquer instante, assim que tiver laboratório para revelar aqui. Ele comporta a utilização profissional.A película suporta até 100 anos, o vídeo por mais que se conserve, a imagem vai caindo.


P: Em um artigo seu na revista Artes você chama atenção para o fato deste cinema ter sido pouco visto.Existe a demonstração de um limite na proposta marginal?



JF: A coisa de ser pouco visto eu explico pelo lado do ocultismo: a coisa de iniciados é para iniciados, não adiante fazer a nível de consumo de massa. O tarô e o zen-budismo, por exemplo, viraram moda. O zen-budismo a nível de consumo de massa é absurdo, perde totalmente o sentido. Se colocar um filme marginal para ser exibido junto ao grande público este não vai aceitar, pois não é o público alvo. Este filme não foi feito para um público de maioria, foi feito para uma minoria que sempre vai ser minoria. Sempre não,com o tempo esta minoria vai aumentando, mas é coisa de séculos.


P: Mas filmes como O Bandido da Luz Vermelha foram sucesso de público. Como pode?


JF: Foi exceção. Isto é coisa que só acontece no Brasil, um país subdesenvolvido. Nos EUA o underground é exibido em escolas e coisa e tal, nunca chega a um cinema normal. Aqui no Brasil A Margem foi exibido no cine Paissandu como se fosse um filme normal. O Bandido deu certo, ficou duas semanas no Marabá e no Olido. Como é que um filme experimental como o Bandido deu certo numa sala comercial? O Bandido estava 50 anos à frente de sua época. De hoje então deve estar uns 80, pois o cinema brasileiro regrediu de lá para cá.


P: O Marabá já era na época o cinema de maior média de público?


JF: Já, sempre foi. Mas outros filmes experimentais foram exibidos em salas comerciais e ficaram apenas 2 ou 3 dias. Eu comecei no Shimbum em 65 e deixei em 72, então eu acompanhei o movimento todinho lá, você pode ver que várias vezes quando eu comento um lançamento do chamado cinema marginal na platéia só estavam eu, o Carlão e dois espectadores. O Longo Caminho da Morte, do Calasso, no cine Marachá, só teve 3 ou 4 espectadores na sessão das oito quando eu fui. O Gamal, do João Batista de Andrade, se bem que seja um equívoco, a proposta é marginal mas beirou a ideologia fascista, ficou 4 dias quando lançado no cine Paulistano. Até chegar uma hora na qual os exibidores se mancaram: "esses filmes marginais, da Boca do Lixo, não vamos lançar mais, pois afinal todos afundaram". Não lançaram e nem podiam lançar, pois estavam todos presos na censura. Entre 70 e 71 a censura proibiu um lote de 50 filmes.


P: E estes filmes faziam carreira no interior do país também?


JF: Foram lançados nas capitais, interior do país raramente, assim como no exterior raramente por iniciativa própria dos diretores. O Rogério levou para a Europa O Bandido da Luz Vermelha, exibiu na França para cineastas franceses, mas não aconteceu nada. O Bressane exibiu todos os filmes dele em Londres e dizem que escola onde foram exibidos fizeram sucesso, o que ele não prova porque nunca mostrou documentos disso, e fica difícil acreditar num cara que de dez coisas que ele fala nove são mentiras totais.




Paula Motta

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