3 de setembro de 2010

o desconhecido um

Este mês de setembro, irei me debruçar sobre o desconhecido. Bem como quando a gente lança o corpo para um território inominável. Se reservado um tempo para questionar a natureza das palavras, toda primeira leitura é desconhecida. Só há segurança na literatura quando nos incumbimos de reler algo já digerido. Inclusive com o exercício da escritura, nos deparamos com o desconhecido desenhando forma, e por vez, há espanto em algo que está sendo escrito, como se quando passado ao papel, desse acabamento para uma abstração que outrora não podia ser assimilada >> linguagem. Qualquer poema qualquer escritor qualquer que eu fosse apresentar, caso não tivesse sido lido pelos leitores deste blog, poderia ser nomeado como desconhecido. Porém, com todo acesso com toda fama com toda brahma que hoje nos acostumbramos, há uma ligeira impressão que fica impregnada em nosso corpo. O que se ouve não é o que se lê. Não há palpite resenha comentário que substitua a palavra do escritor >>> poesia. Como buscar estes escritores, como cavar em procura da poesia em areias tão arenosas? Não sei. O encontro literário é subjetivo. Eu aos 14, me apaixonei por Pessoa. Aterei-me a mesma configuração do mês passado, dando ao leitor o poder fundamental da pesquisa. Buscai.

[mahmoud darwich]
carteira de identidade

registra-me
sou árabe
o número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono... virá logo depois do verão
vais te irritar por acaso?

 registra-me
sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos arranco pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?
  
registra-me
sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes...
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai... da família do arado
e não dos senhores do nujube
meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum

 registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um kuffiah e uma faixa na cabeça
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido...
esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens... no campo e na pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?

 registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não os deixastes
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado... cuida-te
de minha fome
e minha cólera.

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