17 de setembro de 2010

o desconhecido três

[semíramis]
rascunhos nas ruínas do templo            


                   I
Esse andar de abracadabras
na noite de flagelos.
Para você
esconderei a adaga
antes que no pescoço do cordeiro
ela faça seu caminho.
Não tenhas medo.
Os seios que alimentam o mundo
são os mesmos
que atordoam
seus quereres.
  
                            II

Assim quando
foi girada a ampulheta
e congelei meu grito
no espelho.
A vida escorrida
no torso suado
do cavalo negro.
                                 Corro.
O vento açoita-me o rosto
as ferraduras reviram
lúpulos e pedras
— mesmo assim, nada vejo.
Os grãos da ampulheta
deslizam na madrugada eterna
— agarro-me nas crinas
os galopes atravessando uma sucessão de Eras.
                                 Morro.

                         III

As horas pesadas
batem batem batem
numa bigorna
de sexo e dor.
Essas lâminas saem curvas
e amoldam
todas as Verônicas e Salomés.
Sou a anônima enfim liberta.
Não escrevo mais para ti
ou para outrem.
Escrevo para o Gozo
      ou para mim.
Eis-me mais que nua
     mais que falanges
     mais que um futuro cadáver ao sol.
Eis-me íons
      sêmen
      plasma.
                                 fim

                      IV

O que restou?
Resta-me agitar meus guizos
e rir de nós?
Não há claro-escuro
sombra-luz
sim-não
— porque eu diluí
na lucidez acre
todos os perfis e todas as respostas.
E,  porque:
uma chuva de semânticas
e adjetivos
não transformam em éden
este deserto.
Já não me restam nem restos
para sorrir.
A eterna ilusão escatológica
                que é viver.


                                 V
Aqui os derradeiros momentos
dos nossos apocalipses:
as bocas que entredevoram o medo
as carnes suadas nas carícias de beijos.
Quis teu corpo.
As palavras que, sei,
nunca irá dizer.
O chulo escondido nos sorrisos
a devassidão que não viverá.
Sou a puta que entregou-se aos homens
no templo da deusa
e que recolheu os óbolos
para as profecias.
Sou livre. E meu Destino sou eu mesma.
E tu, desejado no mezzo minuto
que passou
cumpre assim a sina dos fracos.
Ser alimento das piras
e arder na covardia.


[Seleção de poemas do livro Delivrário de amor e morte — opus nefandus]

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