16 de setembro de 2010

ESPAÇO RADAR

FLUXO_  ESPAÇO RADAR
ATELIER ABERTO
BATE-PAPO COM ALEXANDRE B + MARCONI MARQUES

O Atelier Aberto (http://www.atelierabertoguignard.blogspot.com/) é um projeto de Artes Plásticas realizado pela Escola Guignard/UEMG (http://www.uemg.br/unidade_guignard.php ), em Belo Horizonte. Consiste em convidar ou selecionar artistas plásticos formados na própria Escola para uma residência de um mês na galeria, com as portas abertas ao público (acadêmico ou não), para desenvolver uma exposição ao final desse período.
A última edição do programa Atelier Aberto foi feita entre 09 de agosto e 09 de setembro com residência de Alexandre B e Marconi Marques (http://marconimarques-artes.blogspot.com/ ), formados pela Guignard em 2005.
O FLUXO, através do Espaço Radar, fez alguns registros do processo deles antes da exposição, quando a galeria anda parecia estadia. Também registramos a exposição final- que aconteceu do dia 02 a 09 de setembro e, melhor do que isso, batemos papo com os dois sobre o processo e algumas questões que permearam essa experiência.
Por que falar do processo e não da exposição ou de questões relacionadas à estética do objeto de arte em si? Porque o que nos interessou nesse projeto foi um relato mais íntimo da experiência de convivência e construção que esses dois artistas tiveram para promover e realizar arte. Assim, o registro desse bate-papo, longe de parecer uma transposição da conversa (porque a atmosfera não pode ser traduzida), quer trazer ao público uma aproximação à natureza da produção de arte,  com o desejo de aproximarem de uma verdade nem sempre mostrada- seus questionamentos íntimos, exercício interno que se passa para a realização de um objeto e etc. Entendemos que essa abertura pode ser um facilitador para o entendimento e democratização da arte.

Boa leitura!
Ana Pedrosa


1_ A PROPOSTA E SUA RECEPÇÃO:
Alexandre_ Antes do ateliê aberto não havíamos trabalhado juntos porque nosso trabalho nunca teve uma aproximação conceitual, nem técnica- não era da mesma natureza. O legal foi justamente isso: criar uma situação de interdisciplinaridade porque talvez tivesse sido muito chato colocar duas pessoas com a mesma linha de trabalho. Foi uma situação inesperada.
 Marconi_ A primeira coisa que me veio à cabeça foi: o que será que o Alexandre está fazendo (?) Vi o portfólio dele e continuei assustado até que na primeira reunião ele trouxe algo que tinha a ver comigo que era a questão da  artesania. Isso me interessava e eu já tinha desenhado a idéia de fazer daqui uma carpintaria porque seria base para criar uma estrutura funcional e usar um material que eu trabalho, a madeira.
A_ Eu pensava em construir alguns móveis, eu ia levar para serem feitos pelo marcineiro- essa era minha proposta. O Marconi então falou para produzirmos tudo aqui, então fomos recolher o material.
M_  Quando nós entramos na galeria pensamos em como seria meu trabalho e o do Alexandre aqui e então pensamos em como trazer uma certa unidade sem escapar dessa coisa heterogênea que existe.




a galeria durante o processo do atelier


2_ A CONTAMINAÇÃO ENTRE ELES:
A_  Cada um manteve sua especificidade- o Marconi veio da idéia da carpintaria e eu vinha trabalhando nas minhas pesquisas a idéia da luz e das projeções e então conversei com ele de como seria a idéia da luz dentro da galeria porque eu precisaria que a luz ficasse mais reduzida. Assim, pensamos em como podíamos lidar com o uso da luz de forma que não atrapalhasse o trabalho dele nem o meu. Então o Marconi começou a trabalhar com isso, ele usou desse recurso da luz para começar a pensar inclusive trabalhos novos.
M_ Trabalhos novos dentro de uma linha que eu já vinha seguindo, dando prioridade a trabalhos que não precisam necessariamente da questão da cor. Então você vai ver trabalhos que são ensaios pictóricos e não a pintura- tem a escrita, eles são híbridos e não necessariamente a cor prevalece. Com essa questão da luz focada, a luz mais direcionada, eu poderia trabalhar uma certa virtualidade, lidar com outras questões que meu trabalho também comporta.
A_ Pra mim também: a questão da carpintaria me fez criar uma outra habilidade- eu não imaginava que, por exemplo, ia construir um banco ou uma mesa. Eu acho que a troca rolou por aí, essa contaminação.
M_ Alguns trabalhos meus surgiram sem eu esperar- a “Tenda” veio através de uma conversa com o trabalho do Alexandre: a exploração da luz, da sombra e uma certa virtualidade da coisa. Não é um trabalho que eu já tinha feito, é um trabalho novo que surgiu aqui- tem o uso da palavra como em outros mas é diferente.


 

 

  3_ O REFLEXO DESSA CONTAMINAÇÃO NO TRABALHO DE CADA UM E PARA A CONCEPÇÃO DO OBJETO/ EXPOSIÇÃO:
A_ Eu acho que o meu trabalho cresceu demais. Eu não faço tanto trabalho coletivo, então foi uma experiência ótima porque você está no seu ateliê, na sua casa e não tem esse trânsito tão grande de pessoas, idéias e olhares diferentes. Essa experiência influencia no objeto porque influencia você, então ultrapassa o objeto. Assim, o que gerou essa exposição foi só o resto de uma coisa porque a experiência é muito mais ampla, vai além.
M_ O próprio objeto não é só esse produto da exposição. A gente quis fechar algumas experiências, a idéia é usar a exposição pra isso- agora você vê o silêncio que precisa para qualquer exposição.
A_ Agora é o trabalho. Ficou um mês no processo e agora é ele- o trabalho.




 4_ A SINGULARIDADE DE UMA EXPERIÊNCIA COMO O ATELIER ABERTO PARA O PROCESSO CRIATIVO/ PRODUÇÃO:
M_ Tem trabalhos aqui que surgiram com suportes diferentes do que eu já tinha usado, eu aproveitei uma porta que estava jogada por aí... Trabalhar em cima da realidade que a gente tem na mão.
A_ Aquela animação veio de um desenho que eu já tinha feito, eu queria colocá-lo animado mas não imaginava que ia poder fazer isso aqui. Como tinha recurso disponível, eu pude fazer porque antes eram só idéias. E tem alguns trabalhos que eu não sabia se iam dar certo e tinha que ficar pensando em, se não desse, como eu ia fazer com isso.

5_ A EXPERIÊNCIA COLETIVA:
M_ Acho que essa experiência é rica pra gente, rica pra Escola- todo mundo ganha com isso. Só que às vezes assusta um pouco pela questão prática: a gente está produzindo e tem que parar um pouquinho pra receber, pra conversar.
A_ É um processo bem difícil. De repente você está produzindo e alguém fala que você podia fazer de outro jeito- você ganha muita opinião, muita idéia, umas são boas e outras te confundem.
M_ Eu venho de uma experiência de residências, sou do Coletivo Kaza Vazia (http://kazavazia.blogspot.com/ ), então isso me trouxe menos ansiedade que talvez eu visse no Alexandre. De certa forma eu trouxe essa experiência de fazer do lugar o lugar de receber.
Nos lugares de ocupação do Kaza Vazia, apesar de serem vazios, você acha elementos- o que não acontece muito num cubo branco-, então é diferente nesse sentido. Mas aqui, por exemplo, você vai trabalhar com o que tem na mão de qualquer forma, você vai estar convivendo- existem elementos humanos, você vai lidar com presenças humanas a sua volta-, com o material que tem, com a própria carga que a gente traz, as concepções que a gente já tem.
(...)
A gente conversava muito, discutia alguns trabalhos, resoluções técnicas.
A_ A troca foi legal porque foi bem natural.
M_ A gente respeitava o silêncio do outro, o tempo de cada um: eu estava batendo um prego e parava porque senão incomodava o Alexandre a desenhar_ coisas desse tipo.
A_ Esse processo de trabalhar junto é necessário mas não é único,  eu também tenho meu processo que é ali dentro do meu ateliê, eu, o silêncio- eu preciso daquilo pra funcionar.
Acho que essa experiência depende do artista e de cada projeto. Você tem que estar disponível, estar aberto pra isso. Existem as duas coisas: trabalhar junto e trabalhar sozinho.
Eu estou indo pra uma residência de três meses no Casa Tomada (http://casatomada.com.br/site/ ) lá em São Paulo, com seis artistas em uma casa. Acho que vai funcionar bem diferente daqui porque lá não é tão aberto, aqui tem muito aluno circulando, professor. Lá é mais restrito aos artistas de lá, é mais intimista.
M_ Aqui alguns professores até pegam elementos do nosso trabalho para tratar com a turma em aula.
A_ E vem nos abordar com questões técnicas mesmo, muitos alunos perguntaram: como você fez aquela animação, qual lápis você está usando...
M_ Alguns trabalhos geraram muita curiosidade: como foi feito, a engenhoca usada...
A_ Discussão conceitual teve, mas nenhuma muita profunda.

6_ O PROCESSO + O OBJETO FINAL:
M_ Em alguns trabalhos da exposição- tipo a “Carpintaria”- dá pra vivenciar no próprio objeto o processo também. Por isso deixamos algumas madeiras ali- é um exemplo de que ainda tem o processo aqui-, eu quis evidenciar que (esses objetos) são processos também, que não são só objetos de exposição.
A_ O que eu acho também é que os trabalhos já criaram vida, eles têm esse aspecto já de objeto pronto, ele pode ser transportado, ser apresentado em outros lugares.
Tudo aqui é uma tentativa- eu podia ter apresentado uma coisa que eu tentei e deu errado e também pode ser que esses trabalhos não sejam os finais, mas eu acho que do que eu me propus eu consegui alcançar, resolver. Aqui está pronto, agora daqui já vai gerando milhões de idéias naturalmente porque um trabalho vai puxando o outro.
M_ Isso evidencia o processo porque nada aqui veio do nada.
A_ Esses trabalhos são só uma parte da coisa. Como processo eles têm que ser mutantes também. Então teve a parte da produção do ateliê mas a proposta também era de que aquele ateliê acabasse- é parte do processo mudar, esse dinamismo é necessário. Então, encerrou e agora são os trabalhos que a gente colocou aqui- a galeria volta a ser galeria, apesar de ainda ter resto de processo, de não constituir como galeria stricto sensu.
No final da produção já estava lotado de coisas, uma bagunça. É bom também dá uma limpada pra você olhar pro trabalho, pra ver se ele funciona.
Coisas que poderiam dar muito errado por questões de tempo, de material, uma série de fatores, e acabou dando certo no final. Aquela coisa: você só tem praticamente uma tentativa, ou você faz de primeira ou então não dá mesmo e você não coloca pra expor.

7_ CONSEQUÊNCIA DESSA EXPERIÊNCIA PARA O OBJETO E A FORMA DE CONDUZI-LO:
A_ Por ser uma experiência adversa não muda sua concepção do seu trabalho, você continua mantendo sua poética, seus elementos.
Mudou o lugar, mudou o jeito de produzir, mudou o tempo, mas não muda o discurso do objeto- talvez um pouco, mas não radicalmente.
Tem coisa que você só vai se tocar depois de pronta, depois que você senta e olha com calma, no silêncio, mas isso (essa mudança) não é uma coisa radical mesmo porque eu não vou chegar aqui trabalhando há muito tempo com desenho e de repente eu vou fazer pintura, até porque não tem tanto tempo pra radicalizar assim.
Algumas coisas foram associadas à minha produção, por exemplo: eu fazer um banco com o Marconi e não mandar pra um marceneiro cria uma outra carga simbólica pra coisa, que é diferente de terceirizar. Esse tipo de coisa agregou muito à minha produção.

8_ A EXPOSIÇÃO FINAL E A ARTE CONTEMPORÂNEA:
M_ Um conceito comum pra exposição não existe, mas existem pontos:
. A espacialidade de cada obra e o espaço como um todo. A questão espacial acho que está bem evidente, você consegue ver a coisa como uma instalação aliada à virtualidade- que está no vídeo, nas sombras;
. a forma como eles foram concebidos, por exemplo a “Carpintaria” em si é um objeto totalmente aberto.
É interessante esse projeto na arte contemporânea porque a gente parte de linguagens bem primitivas- a gente desenha e pinta, então a gente está ligado a uma tradição também. Eu estou pintando parede- os homens das cavernas faziam isso. O Alexandre fez uma areia virtual só que ele desenhou com terra- tem coisa mais primitiva do que isso? Então nós estamos falando de tempos diferentes pra chegar numa arte que é considerada contemporânea porque é uma arte aberta, uma arte que não depende só da contemplação, ela tem outras questões por trás.
A_ Eu acho que no processo da arte contemporânea se cria muita tensão sobre ele, até porque hoje em dia o artista não se prende só a estilo, não tem mais gênero, não tem mais nada que identifica ele com o trabalho ou que amarra os trabalhos dele. O que amarra é justamente o processo, essa linha de pensamento que ele vai traçando, vai costurando entre os trabalhos.
Engraçado é que eu fiz uma pergunta pra um artista sobre o que ele costuma trabalhar, ele riu e falou que não gosta de responder isso. Então eu mudei minha pergunta: o que você está trabalhando ultimamente (?) porque acho que aí a resposta é mais honesta.
É essa coisa da mutação mesmo que é super importante hoje- abrir pra isso é uma forma de entender o trabalho também.

 

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