20 de agosto de 2010

a lógica do mês oito III

ANA CRISTINA CÉSAR – Nascida tradutora e poetisa influente da geração mimeógrafo (ou poesia marginal) na década de 70.


Pensando em você não é bem o termo. Você na minha pele, me ocorrendo sem querer, até lem brança de perfume. Assim sentei lá fora ao sol com bronzeador na cara e jaqueta de July. Luke veio de repente sem camisa e eu disse em português que susto. Ele entende e vem dar beijos mas conheço aquele meloso de propósito, paródia de meloso, e saio e volto e saio e bato a porta. Almocinho e um pouco de trabalho. Às 8 olho na janela e vejo logo quem lá embaixo de shortinho tomando sol e desço e boto Gershwin e fico lendo o golpe na Bolívia no jornal. Dias em que ler jornal saca lágrimas e no fun do da cabeça figuras da galeria nacional, anjos suspensos no ar de cabeça para baixo, um deles chupando o peito de Vênus e em volta os outros olhando, flechando, rodopiando entre cortinados, lençóis desarrumados, pássaros, pavões, lagostas, aviões.
    
Logo logo vou de novo lá. Mas não quero esse que está salgado do meu lado. Fico só com raiva do cachorro do vizinho. Não queremos falar nada, nem como vai nem o golpe na Bolívia. Estamos en costados pegando o sol que se inclina e eu dou uma volta completa para sair da sombra e é complicado como um Tintoretto. A minha cabeça encosta no pé dele e a cabeça dele no meu pé; a minha mão alcança a perna dele e a mão dele a minha perna; graminhas, cobertores brancos nas graminhas, cores fortes de alta renascença. Não descrevo mais e minha mão passa enquanto a mão dele passa e abre o zipe e cabelinho e embaixo é diícil com blue jeans. Acho que eu queria ele salgado. Subi para o chuveiro. Botei um shortinho e me enrolei no sleeping bag debaixo da janela até ele chegar. Eu faço em mim com ele quieto dentro. Às vezes em silêncio e às vezes alto com rádio ligado e ritmo que não despega da pele como perfume em Covent Garden. Mas nunca sei ao certo o que virá. Faço o detetive, ele fica dentro quieto, mas parece que faz sempre igual e sem engano (só se me engano, não sou diplomata nem cigano, vagando pelo mundo, mas isso foi numa outra carta que mandei), ele espera e hoje não pensei onde é que vai parar e quis te escrever carta de amor com detalhes secretos de hoje à tarde, minha ternura por você que só no dia seguinte pesco mais, de braço dado em Covent Garden, pegando a tua mão e dizendo que te rapto mas Joe do lado não queria. Estou esperando na janela onde tem casarão de tijolinhos com árvores no sol e brisa de leve e outros trechos de paisagem na tarde de verão. E um fio de luz que só depois faz foco. Tem um passarinho que quando pia quero matar o passarinho, acho que é um pombo ou uma pomba ou uma coruja, um pio canino que me mata. Fico esperando na janela – fazendo uma figura – você vê? – com truques: as árvores maiores no fundo e as árvores menores na frente, os carneiros na mesma ordem, e a mulher debruçada na janela com uma vela na mão que acende o charuto do anão no morro em frente, e um céu à régua, um rio, dois homens pescando, todos os trechos certos da paisagem e a perspectiva toda errada: Perhaps he is trying to show you can do all the perspective wrong and the picture will still look all right.

Me deu uma dor forte de repente e eu disse – me leva para o hospital.
O casal do lado me levou no carro.
Tinha fila na emergência. Eu fiquei chorando e espiando a folia que não quero contar como é que era. Quando voltei ele estava pálido e contou que tinha desmaiado.
Ele é tão grande e mesmo com dor eu ia pôr no colo. Fiquei sabendo melhor como é o desmaio.
Você não apaga – acende uma velocidade de sonho sólido, e você vê Tudo num minuto. Até a sala de ópio com Fats Waller cantando Two Sleepy People em câmera bem lenta: no coração de Paris uma câmara de sonho oriental, tapetes persas fechando as paredes e almofadas fechando os olhos como no paraíso. Você pode também sentar de novo na Place des Vôges, que é perfeita, cartão postal mágico voador. Parece que você vê e pega, ou fica completamente dentro. Não é uma esponja nem uma bagatela. Até a travessia do canal, ou a primeira vez que alguém te cobriu. de beijos, ou o nervoso de perder o trem por dois minutos. É um cinema hipnótico, sem pernas. Não é vago.

19 de agosto de 2010

uma noite em 67

Era 21 de outubro de 1967. No Teatro Paramount, centro de São Paulo, acontecia a final do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. Diante de uma plateia fervorosa - disposta a aplaudir ou vaiar com igual intensidade -, alguns dos artistas hoje considerados de importância fundamental para a MPB se revezavam no palco para competir entre si. As canções se tornariam emblemáticas, mas até aquele momento permaneciam inéditas. Entre os 12 finalistas, Chico Buarque e o MPB 4 vinham com “Roda Viva”; Caetano Veloso, com “Alegria, Alegria”’; Gilberto Gil e os Mutantes, com “Domingo no Parque”; Edu Lobo, com “Ponteio”; Roberto Carlos, com o samba “Maria, Carnaval e Cinzas”; e Sérgio Ricardo, com “Beto Bom de Bola”. A briga tinha tudo para ser boa. E foi. Entrou para a história dos festivais, da música popular e da cultura do País.
“É naquele momento que o Tropicalismo explode, a MPB racha, Caetano e Gil se tornam ídolos instantâneos, e se confrontam as diversas correntes musicais e políticas da época”, resume o produtor musical, escritor e compositor Nelson Motta. O Festival de 1967 teve o seu ápice naquela noite. Uma noite que se notabilizou não só pelas revoluções artísticas, mas também por alguns dramas bem peculiares, em um período de grandes tensões e expectativas. Foi naquele dia, por exemplo, que Sérgio Ricardo selou seu destino artístico ao quebrar o violão e atirá-lo à plateia depois de ser duramente vaiado pela canção “Beto Bom de Bola”.
O documentário Uma Noite em 67, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, mostra os elementos que transformaram aquela final de festival no clímax da produção musical dos anos 60 no Brasil. Para tanto, o filme resgata imagens históricas e traz depoimentos inéditos dos principais personagens: Chico, Caetano, Roberto, Gil, Edu e Sérgio Ricardo. Além deles, algumas testemunhas privilegiadas da festa/batalha, como o jornalista Sérgio Cabral (um dos jurados) e o produtor Solano Ribeiro, partilham suas memórias de uma noite inesquecível.



18 de agosto de 2010

Dos coletivos, Do COBRA e Da importância da arquitetura se envolver com a cultura.

Refletindo sobre o papel desta coluna neste blog e sobre o meu papel como arquiteta e urbanista no grupo, descobri que essa não é a primeira vez – definitivamente não, e nem será a ultima vez que a arquitetura se envolve em discussões que vão além das suas próprias questões arquitetônicas.


Estamos vivendo no Brasil, de forma clara e evidente, uma nova tendência. Os tais coletivos. Estas pessoas de uma mesma área, ou não, que se juntam por um mesmo objetivo.

Coletivos de arte, de música, de teatro, de design. Todos trabalhando em suas áreas, paralelamente ao governo, já que quase não conseguimos apoio destes pra nada.

O que é claro pra mim, é que estes Coletivos se fazem, se juntam, e a coisa está para tomar proporções gigantescas. A força que a coisa vem tomando é bonita de ver e ao mesmo tempo assustadora.

É preciso que fiquemos atentos as novas propostas que vem surgindo por aí. Sempre questionando de forma inteligente o que nos é proposto. Já ficou claro que todos(Coletivos) juntos temos uma grande força mas que deve ser usada de forma inteligente e mais aglutinadora possível.

Falando em coletivos... o COBRA.

Para que meus amigos arquitetos entendam a importância de se envolver com a cultura no nosso país, quero dar este exemplo.



COBRA



No vazio cultural sem precedente que surgiu depois da guerra... no qual a classe dominante empurra cada vez mais a arte para uma posição de dependência... nos vemos às voltas co uma cultura de individualismo, que é condenada pela mesma cultura que a produz, uma que sua convencionalidade se opõe ao exercício da imaginação e do desejo, e impede a expressão vital... Não poderá haver arte popular enquanto formas de arte forem historicamente impostas, mesmo se concessões como participação ativa sejam feitas ao público. A arte popular se caracteriza pela expressão vital, que é direta e coletiva.


Uma nova liberdade está para nascer, uma liberdade que permitirá às pessoas que satisfaçam seus desejos criativos. Como resultado desse processo, a profissão de artista não mais ocupará uma posição privilegiada, e é por isso que alguns artistas contemporâneos resistem a ele. No período de transição, a criação artística se encontra em guerra com a cultura existente, ao mesmo que anuncia uma futura cultura. Com esse aspecto dúbio, a arte tem um papel revolucionário na sociedade.

Neste trecho contem mais ou menos o que viria a ser a luta do COBRA.

Dotremond(1922-1981), figura-chave do movimento COBRA, criou o nome com as iniciais das cidades Copenhague, Bruxelas e Amsterdã.

O COBRA foi constituído em 1948, depois de seis dos seus membros abandonarem uma discussão que eles julgavam superficial demais na conferencia no Centro Internacional para a Documentação da Arte de Vanguarda em Paris.

Os seis de encontraram em um café e uma declaração foi escrita por Dotremond(“a única razão para manter a atividade internacional é uma colaboração experimental e orgânica, evitando teoria estéril e dogmatismo”) e foi assinada pelos seis.

De sua formação inicial, o COBRA cresceu para um número de mais ou menos cinqüenta poetas, pintores, arquitetos, etnólogos, teóricos, de dez países diferentes.

As atividades do coletivo eram pautadas em cobrir reuniões, exposições, intercâmbios e a produção da revista COBRA.

Um dos maiores projetos do movimento foi a criação do conceito de um novo ambiente urbano, se opondo à arquitetura racional de Le Corbusier.

Em um artigo no primeiro número da Revista COBRA:

... edifícios não precisam ser esquálidos ou anônimos nem devem mostrar-se como peças de museu; em vez disso, devem unir-se uns aos ouros, integrando-se ao ambiente para criar “cidades” sintetizadas para um novo mundo socialista.

Ou seja, muda todo o entendimento de urbanismo e surge o urbanismo que entendemos hoje como o correto a ser feito nas grandes cidades. Um urbanismo aglutinador. Por exemplo, o contrário do que foi feito em Brasília - que com a idéia de criar uma cidade para todas as classes, acabou as distanciando ainda mais.

O COBRA acabou se dissolvendo, virando outros grupo que mais tarde viemos a conhecer como Internacional Letrista, Internacional Situacionista e por aí vai.

Aí é assunto pra um outro post, meus caros.

Hoje fico por aqui.

É bom retornar a este espaço FLUXO.

Grande abraço!



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Gabriela de Matos.

17 de agosto de 2010

as_aves_da_noite

diante da questão que se amortece e que retorna inegavelmente aos nossos sentidos, devo dizer que a grande preocupação que me tem pertubado as últimas noites é o fato de nenhuma instância coorporativa ou independente realmente se firmar no propósito da arte e do povo.
os gestos abandonam a retórica construída a todo tempo e então discutimos intimamente depois de cada um dos atropelos constatados: ninguém se preocupa com a arte a ponto de se dedicar absolutamente às suas tantas causas. sim, falamos da arte em si não da política e ética que a circunda e a têm comandado. não, a arte não é purista, mas seus motivos devem ser maiores do que os motivos construídos pelo homem e seu poder.
e o povo não é mais pauta, é público pra assistencialismo. 
não entendemos que no brasil a arte está embolada no povo numa xanxada filosófica e um se alimenta radicalmente do outro numa antropofagia que deu origem a palavra e que nem carece de idéias fundamentadas para existir.
se a sociedade está recalcada em dogmas e não há sinais de justiça, então esse não é o único mundo a existir. isso não diz respeito a teologia ou metafísica, mas à linguagem porque a única existência verdadeira é a linguagem dos sinais, de resto são racionalizações projetadas.
assim, a linguagem é minha salvação para exaltar a existência cotidiana, para elevar tudo o que foi dissolvido pelo desencanto, para me possibilitar mais do que enxergar mas viver de uma lógica que jamais corresponderá a supressão onde fomos colocados ou nos colocamos e dentro da qual nada pode ser tão móvel quanto preciso.


traçaremos patafisicamente uma forma de se ver, construir e consumir arte onde se estabelecerá uma transparência indestrutível sem etiquetas, fronteiras ou finitudes.
por tudo isso, 'tudo que eu disser três vezes é verdade.'


por essas e outras, metalinguisticamente:
a sabedoria de jorge:







e o desassossego hilda hilst: http://www.megaupload.com/?d=VEISIU75

16 de agosto de 2010

Me perguntam o que é Arte Contemporânea

Como artista plástico recém formado, já me encontrei em algumas situações engraçadas, sei que de fato alguns de meus colegas também já passaram por algumas delas. Perguntas e comentários de todos os tipos surgem e alguns já foram motivos de boas gargalhadas – com a melhor das intenções é claro.

- Você é artista plástico? O que faz? Trabalha com plástico?

- Você é pintor? O que faz? Pinta paredes?

Algumas perguntas são realmente cômicas, mas ouvimos de tudo. As perguntas ficam um pouco mais pertinentes e complicadas conforme o conhecimento do questionador.

- Qual o seu estilo de pintura?

- Você segue algum movimento?

- Você é Impressionista? Cubista? Futurista?

Não consigo conceber Picasso falando - Bom agora vou fazer uma pintura Cubista... É claro a menos que o artista fizesse parte de algum grupo específico, ou seguísse algum manifesto que pregava algo que para ele era importante, isso obviamente influenciava o seu trabalho. Mas geralmente os rótulos sempre são colocados depois.

Mas acho que a pergunta mais difícil que me fazem é: O que é Arte Contemporânea? Bom, esta foi uma das questões sobre a qual nos debruçamos repetidamente durante os quatro anos de Escola Guignard e ainda me não sei uma resposta que me deixe completamente satisfeito. Talvez a melhor resposta seja:

- Arte Contemporânea é a arte que é feita nos dias de hoje.