Arquitetura vernacular, arquitetura de terra e suas potencialidades sob o criterioso olhar do arquiteto inglês Paul Oliver
A entrevista que ora apresentamos foi realizada em novembro de 2006 durante o I TerraBrasil - I Seminário Brasileiro de Arquitetura e Construção com Terra e IV ATP – IV Seminário de Arquitectura de Terra em Portugal, pela primeira vez realizado fora deste país, na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil.
Em uma grata coincidência, foi neste evento que o arquiteto inglês Paul Oliver (1927) iniciou sua primeira visita ao Brasil, realizando um antigo sonho.
Oliver atua como pesquisador no Oxford Institute for Sustainable Development e é membro da Oxford Brookes University, da University of Exeter, e do Royal Anthropological Institute, além de ser membro do Comitê Científico de RehabiMed.
Este arquiteto é considerado um dos maiores especialistas em Arquitetura Vernacular do mundo, tendo editado em 1997 pela Cambridge University Press a “Vernacular Architecture of the World”. Esta obra é composta de três volumes e um total de 2500 páginas que agregam contribuições de pesquisadores sobre Arquitetura Vernacular de 80 países do mundo. Anos mais tarde, em 2005, editou o “Atlas Mundial de Arquitetura Vernacular”. Infelizmente suas publicações não estão disponíveis em português.
Há mais de 30 anos, Oliver se desloca e se aventura em distantes locais do planeta para resgatar e contextualizar elementos e referências históricas que são produtos de uma genuína expressão da arquitetura popular dos diversos povos, sejam africanos, asiáticos, europeus ou sul-americanos.
Paul Oliver foi também professor do Architectural Association de Londres por doze anos, além de Chefe do Departamento de Arquitetura da Oxford Polytechnic e Diretor de Arte e Design do Darlington College of Arts.
Com seus 81 anos e muita disposição, Paul Oliver viajou ao Brasil e teve realizado o sonho de poder fotografar e conhecer as favelas do Rio de Janeiro, após o encerramento do evento em Ouro Preto.
As atividades de Paul não se restringem ao campo das Artes e Arquitetura. Oliver é também uma referência na pesquisa histórica sobre o Blues e suas raízes.
O Professor Paul comenta que soluções satisfatórias para suprir a demanda mundial de habitações serão possíveis através do estudo, do apoio e da manutenção adequada do repertório mundial de arquitetura vernacular. Para ele, a arquitetura vernacular constitui uma fonte inesgotável de exemplos e referências que se caracterizam por sua simplicidade, além de agregar elementos naturais, econômicos e sustentáveis para as moradias.
Casa das produtoras de artesanato e adobes do Bichinho, Distrito de Valeriano Veloso, nas proximidades de Tiradentes. Foto Rosana Parisi
Rosana Soares Bertocco Parisi e Ana Cristina Villaça: Primeiramente, gostaríamos de saber sobre a sua carreira profissional, e por quanto tempo o senhor vem pesquisando a arquitetura vernacular. Quais são os motivos que o levaram a essa pesquisa?
Paul Oliver: Eu venho pesquisando “virtualmente” por toda a minha vida. Durante a 2ª Guerra, meu pai, que era arquiteto e trabalhava em casa, foi convocado para um “escritório de guerra”. Ele tinha que projetar novos edifícios, especialmente em lugares que foram bombardeados. Ele desenvolveu tecnologias de pré-fabricação para edifícios como solução rápida para os estragos causados pelos bombardeios. Como eu era um jovem estudante de artes, eu o ajudava com os desenhos dos locais afetados e com a extensão do dano. Então, eu me envolvi com as questões habitacionais desde cedo. Apesar de a minha carreira ter sido variada, comecei como artista e depois, como historiador de artes, até me tornar guia/palestrante público (public lecturer) na National Gallery e também na Tate Gallery em Londres por alguns anos, antes de ser admitido, em 1960, na Architectural Association para ministrar um curso de História. Mais tarde, fui Diretor da A.A. Graduate School. Mas sempre tive este interesse ligado à criatividade, cultura popular, artes, música e construções de diferentes culturas. Assim, viajei bastante para proferir palestras, lecionar e realizar pesquisas sobre estes temas em muitos países.
RSB/ACV: Fale-nos sobre a relação entre sua pesquisa e a arquitetura vernacular.
PO: Antes de tudo devo dizer que o objetivo de minha pesquisa é mais cultural que estrutural. Tenho interesse em povos indígenas e sua diversidade cultural. Ao estudar seus edifícios, tenho que entender os sistemas estruturais, mas como existem muitos projetos e muitas culturas, tento compreender a complexidade da cultura em relação com a produção estética, o que é fundamental para mim. Compreender somente os edifícios, mas não as suas motivações, os valores que as pessoas têm ao criá-los, não é, em minha opinião, compreendê-los realmente em sua totalidade.
Rosana Soares Bertocco Parisi e Ana Cristina Villaça: O senhor poderia nos dizer quais são as possibilidades para a Arquitetura com Terra como arquitetura sustentável? Como a arquitetura com terra resgata a identidade construtiva tradicional em muitos países e ao mesmo tempo reduz os impactos que a construção convencional tem causado por todo o mundo?
Paul Oliver: A terra é o material de construção mais largamente e naturalmente distribuído pelo mundo. Mas existem muitos tipos de solo e numerosas técnicas para usá-los, as quais sempre foram usadas espontaneamente, sem normas, durantes os séculos passados. Com a expansão da população mundial, o método tradicional de utilizar o tipo de terra prevalecente em cada região poderia e deveria ser resgatado. Esta prática poderia habilitar muitas culturas a construir de maneira econômica e encontrar o futuro potencial de suas respectivas identidades. Potencialmente, isto poderia reduzir o uso, culturalmente inapropriado, do concreto e do aço em todos os continentes.
RSB/ACV: Fale-nos sobre o papel do arquiteto em nossa sociedade e na difusão destas técnicas de construção com terra.
PO: Eu não acredito que arquitetos profissionais estejam interessados nas técnicas vernaculares ou em sua difusão. O que significa que se formos falar sobre o aspecto da difusão, é muito interessante, porque existem diferentes tipos de difusão, o que, em todo caso, é a transferência de tradições de uma cultura para outras culturas. Onde as tradições são criadas e o que elas são é tão importante quanto a difusão que não ocorre necessariamente. Para entender isto, há que se desenvolver, de certo modo, uma visão antropológica. O problema é que antropólogos, geralmente não se interessam por arquitetura, e eles usualmente evitam discuti-la. Então, sou sempre referenciado como um “antropólogo arquitetônico”, porque penso nas relações de uma arquitetura tradicional para a cultura que a cria, que é, fundamentalmente, importante. Mas não consigo passar esta mensagem para a maioria dos antropólogos. Ou, de fato, para muitos arquitetos, apesar de acreditar que eles possam trabalhar juntos para trazer a efetiva disseminação dos métodos construtivos que sejam apropriados para prevalecer as fontes e condições. E, mais que isto, para a natureza das culturas envolvidas.
RSB/ACV: Pela sua experiência, quais os possíveis caminhos para os arquitetos que projetam e constroem com terra?
PO: Ainda existem oportunidades para estes arquitetos, no uso da terra, madeira, e outros materiais, mas eles precisam estudar estas possibilidades com mais profundidade. Vejam, a construção com terra é o foco desta conferência, mas de fato, eu estava indo proferir uma palestra sobre construção com madeira, em uma conferência no México nestes mesmos dias em que estou aqui. Então, eu preferi estar aqui...
RSB/ACV: Sorte a nossa!
PO: ...Mas existem possibilidades de diálogo em qualquer estágio, e é por isso que estou aqui nesta conferência, para falar sobre a terra como material de construção. Na conferência a que vou em dezembro (IASTE 2006), em Bangkok, Thailândia, o tema será sobre as chamadas “hiper traditions”, ou seja, tradições que se tornaram exageradas ou fora de controle, qualquer coisa que se tenha tornado “extremo”, não necessariamente focado em um aspecto particular. A conferência será sobre muitas tradições extremas, o que difere de uma cultura para outra.
RSB/ACV: “Hiper materiais”?
PO: “Hiper tradições”: é o termo que eles usam para a conferência, mas não é um conceito estabelecido. Soa mais como uma tentativa de resumir o fato de que algumas tradições estão sendo extrapoladas. E neste ponto pode-se falar em “hiper-materiais”, se, por exemplo, tudo o que existe em uma edificação for feito de chapa de metal corrugado. A terra também pode ser tornar um hiper-material, se seu uso ou aplicação for desnecessário ou inapropriadamente aplicado. Se os arquitetos se informarem melhor sobre este e outros materiais, e técnicas nas quais as culturas estão envolvidas, frequentemente por séculos, eles podem usá-las com grandes vantagens. Aí, então, poderão festejar o resgate dos métodos vernaculares e sua aplicação no século atual.
Leiam a entrevista na íntegra no site
http://www.vitruvius.com.br/entrevista/oliver/oliver_3.asp
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Gabriela de Matos.