13 de fevereiro de 2010

"Se proteja"

E como hoje é véspera de carnaval aí vai uma animação com uma mensagem bem divertida (e importante).

Joan C. Gratz

Para finalizar meus posts sobre pinturas animadas trago aos leitores uma artista que leva isso ao pé da letra..

O Cinema e a pintura encontraram uma forma original de diÁlogo na "clay-painting" usada por Joan C. gratz em seus prodogiosos curtas. Ela utiliza massinha de modelar colorida como se fossem tintas, misturando tons e organizando o fluxo das imagens através de linhas delicadas. Sua meta é atribuir movimento, seqüencia e ritmo na releitura de grandes obras.

Sua obra prima até o momento é irônicamente Mona Lisa Descending a Staircase, onde Joan compila as maiores obras das artes plásticas da humanidade em uma animação.



Mona Lisa Descending a Staircase (1992)


JF

12 de fevereiro de 2010

pedaço de rota n. III

O trajeto descrito até a última postagem, se tornou extenso de uma forma que me é


Imposible conseguir suprir a demanda literária. Portanto, vou me ater a um pedazo da rota, e insistir no sabor da surpresa imposta pelo ritmo da viagem. Hoje, tiahuanaco é.



•La paz > Tiahuanaco• > La Paz > Sorata > Huarina > Copacabana > Isla Del Sol > Copacabana > La Paz > Uyuni > Deserto de sal > Uyuni > Oruro (hoje).



05 02 10 – 18:42 – 2 graus.


Cheguei em tiahuanaco 10 pras 5, e no mini-bus que tomei em el alto (bairro mais alto de la paz – que inclusive tem autonomia de cidade própria), lugar caótico, de onde se pode mirar toda la paz e um vulcao que me esqueci o nome e tem o pico com bastante neve. 45 minutos de viagem miserable, e a descoberta que as ruínas do sítio arqueológico, o prototipo da cidade inca mais antita, tem portoes e se custa 80 bolivianos por pessoa para se entrar. Uma señora muito misteriosa me chamou pelo nome de señorita mui bonita, e me contou sobre algunas peças esculpidas em ceramica, de sua autoria.



(pausa para dormir em tiahuanaco)



 primeiras impressoes de tiahuanaco:



Há uma espécie de energia que habita este lugar. As casas que em grande mayoría sao de tijolo de adobe, tem algum símbolo (deuses, guerreiros, mensageiros) ou grandes esculturas protejendo-as na porta. Para os olhos dos desavisados, a beleza (contida em sua forma bruta), já encerra a dívida do visitante com a cidade. Porém, há mais misterios do que ouso imaginar, por tiwanaco.




 tiahuanaco: noite



no presente momento, a viagem se configura por quatro rotas distintas- cada uma com uma estética singular e com uma velocidade que a caracteriza. A viagem cinematográfica, a mais rápida de todas elas, transforma e funde a dicotomía espaco x tempo, fazendo talvez cruelmente com que o corpo entenda¡apreenda, produza sentido e matéria compatible com o limite imposto pela memoria ---

A rota literária, a mais lenta de todas as rotas, lança o corpo para uma extensao nao menos cruel e perigosa. Caracterizada pela imersao, esta rota tras os mais profundos questionamentos, para a superficie do cuotidiano, criando um embate filosófico sobre as minuciosidades que movem as relaçoes humanas, pautadas em vaidades que nao sao recurrentemente deslocadas. A lengua é e necesita ser revisitada. E eu ¿




 questoes museologicas :



no museu de tiwanaco havia vários comodos, com óbvia separacao temporal e que de forma também óbvia e generalizada, se presta a reconstruir um tempo remoto, referente a cada comodo que agrega uma multiplicidade de peças.

Papel do museu (reconstituir) e o papel da escultura antita (para fim de reconst (i-) ruir) é ironicamente o mesmo. Por tanto nao se debe existir instituiçao museológica que abrigue arte contemporanea, a nao ser que esta só preste para ejercer o papel futuro de legado e se posicionar como história, posto que o que se forma arte hoje, é movimento efemero. Digo, zona autonoma temporaria.




 relatos do museu de tiahuanaco:



39 cranios visiblemente e assustadoramente distintos (pensei muito no Joao este dia, e na delicia que seria ele “mirar” os cranios) –

Muitas pecas de ceramica com composicoes artisticas, que leva a cuestionar se eram feitas para alguna funcionalidade ou se eram, como exato aparentam, somente artigos estéticos para louvar a feiura e a beleza-

Pedras sutilmente esculpidas para causar a dúvida cruel se a máo suave que as esculpiram era de deus ou era do homem –

E roupas indígenas táo bem constituídas que nos faz pensar para que se presta a moda ¿



 últimas elocubraçoes feitas dentro das ruínas de tiahuanaco no dia 6 do 2 do 10:



por que nao tem mais ninguem por aquí ¿ para onde foram os arquitetos incas ?

como era a vida 1.500 anos a.c ¿ como se marcava o tempo? Existia tempo ¿

da onde se extraída tantas pedras ¿ quem ensinou o nome de todos os deuses esculpidos ¿


e,


adios.




mariana de matos)

11 de fevereiro de 2010

Trópico da saudade - Claude Lévi-Strauss e a Amazônia

Documentário refaz viagem de Lévi-Strauss 

Claude Lévi-Strauss [pronuncia-se Clôde Lêvi Strôss] morou só quatro anos no Brasil, entre 1935 e 1939, voltou em 1985 para uma visita de seis dias, mas seu interesse pelo país nunca parou. A opinião é do cineasta e antropólogo Marcelo Fortaleza Flores, que conviveu com o etnólogo entre 2004 e 2008 para fazer "Trópico da Saudade - Claude Lévi-Strauss e a Amazônia", documentário sobre os nambiquaras. 
Flores fez as últimas entrevistas com Lévi-Strauss.

"O interesse dele pela etnologia brasileira nunca cessou. Apesar de não ter podido fazer mais pesquisas de campo, ele continuou com grande interesse sobre o trabalho de antropólogos brasileiros", disse Flores, que vive em Paris.. Entre outros autores que Lévi-Strauss gostava, ele cita os nomes de Manuela Carneiro da Cunha e de Eduardo Viveiros de Castro.
A leitura dos textos mais recentes da antropologia brasileira não eram os únicos sinais de que Lévi-Strauss continuava a pensar o que escrevera a partir do Brasil, segundo o cineasta.
Ele dá outro exemplo da vitalidade do etnólogo: "Aos 98 anos, ele publicou uma resposta a um antropólogo americano que desaprovava algumas ideias dele", disse.

A expedição

Flores foi um locutor diferenciado na relação com Lévi-Strauss por causa de seus interesses: ele estudou e viveu cinco anos e meio com os nambiquaras, o grupo que o francês visitou em 1938, no norte do Mato Grosso.
Para fazer o documentário, ele refez a expedição de 1938. Saiu dela convencido que aquela viagem representa uma mudança de porte, uma guinada na antropologia moderna.
Segundo Flores, Lévi-Strauss viajou até o remoto sertão do Mato Grosso em 1938 por um motivo que mescla literatura e o nascimento da etnologia francesa: ele queria encontrar os remanescentes dos tupis que os franceses haviam visto no Rio de Janeiro quando invadiram a cidade no século 16. Lévi-Strauss queria saber o que ocorrera com os índios que o pastor calvinista e escritor Jean de Léry (1534-1611) conheceram no Rio quando os franceses estabeleceram a França Antártica na baía de Guanabara entre 1555 e 1557.
As observações feitas por Léry sobre os índios disseminaram-se pela Europa, em boa parte por causa de Montaigne (1533-1592), e foram fundamentais para a criação do mito do bom selvagem, uma idéia que seria disseminada pela Revolução Francesa (1789).
Flores concorda em parte que havia algo de pós-moderno na expedição de Lévi-Strauss, já que sua inspiração era uma obra literária.
"Era uma expedição que tinha uma relação clara com os primórdios da etnologia no Brasil, com os franceses que estiveram aqui no século 16. Mas ela tentava desvendar um mundo novo. Como expedição, era um híbrido entre duas épocas."
Ao refazer a expedição, com fotos que Lévi-Strauss fizera em 1938, o diretor reencontrou no sul de Rondônia o grupo tupi que o etnólogo francês chamara equivocadamente de mundéu (mundéu era só um ramo linguístico, segundo Flores, e os índios eram akunsuns). Pelas fotos, Flores contou 40 traços em comum entre os akunsuns e os índios que Lévi-Strauss chamara de mundéus.
A boa notícia do reencontro do grupo que Lévi-Strauss estudara em 1938 veio junto com uma péssima notícia: só restavam seis índios akunsuns, e os dois homens ainda carregam as cicatrizes dos tiros que levaram em 1985, quando parte do grupo foi massacrada.


http://revistadocinebrasileiro.blogspot.com/

10 de fevereiro de 2010

Manifesto Internacional Situacionista

Queridos leitores-FLUXO,


A proposta deste blog foi, desde o inicio, apresentar as pessoas interessadas, grandes questões acerca dos temas propostos aqui, que por algum motivo, não são muito difundidas, ou não são difundidas como deveriam ser.

A idéia sempre foi não passar por assuntos importantes superficialmente, pois entendemos que o blog é uma ferramenta que permite que as questões surjam e sejam discutidas e não podemos perder isso.

Bom, por este motivo apresento para vocês hoje o Manifesto Situacionista.

Pretendo discuti-lo com vocês no post seguinte, e em outros, sempre que houver a necessidade e que o assunto vier à tona.

Sugiro que leiam e releiam. E leiam mais um pouco.

 

Manifesto da Internacional Situacionista


Uma nova força humana, que a estrutura existente não poderá dominar, cresce dia a dia com o irresistível desenvolvimento técnico e a insatisfação de seus usos possíveis em nossa vida social carente de sentido.

A alienação e a opressão nesta sociedade não podem ser mantidas sob qualquer uma de suas variantes, mas somente rejeitadas em bloco com esta mesma sociedade. Todo progresso real fica evidentemente em suspenso até a solução revolucionária da crise multiforme do presente.

Quais são as perspectivas de uma organização da vida em uma sociedade que autenticamente "reorganiza a produção sobre as bases de uma associação livre e igual de produtores"? A automatização da produção e a socialização dos bens vitais reduzirão cada vez mais o trabalho como necessidade exterior e proporcionarão, finalmente, a liberdade completa para o indivíduo. Livre assim de toda responsabilidade econômica, livre de todas as dívidas e culpas para com o passado e o próximo, o homem disporá de uma nova mais-valia incalculável em dinheiro porque é impossível reduzi-la para a medida do trabalho assalariado: o valor do jogo, da vida livremente construída. O exercício de tal criação lúdica é a garantia da liberdade de cada um e de todos na estrutura da única igualdade garantida contra a exploração do homem pelo homem. A liberação do jogo é a autonomia criativa, que supera a velha divisão entre o trabalho imposto e o ócio passivo.

A igreja queimou noutros tempos os pretensos feiticeiros para reprimir as tendências lúdicas primitivas conservadas nas festas populares. Na sociedade hoje dominante, que produz massivamente tristes pseudo-jogos da não-participação, uma atividade artística verdadeira é forçosamente classificada no campo da criminalidade. É semiclandestina. Surge na forma de escândalo.

Que é isso, de fato, mais que a situação? Se trata da realização de um jogo superior, que mais exatamente é provocada pela presença humana. Os jogadores revolucionários de todos os países podem reunir-se na Internacional Situacionista para começar a sair da pré-história da vida quotidiana.

A partir de agora, propomos uma organização autônoma dos produtores da nova cultura, independentes das organizações políticas e sindicais que existem neste momento, pois questionamos a capacidade delas de organizar outra coisa que a manutenção do que existe.

O objetivo mais urgente que estabelecemos a tal organização, no momento em que deixa o estágio inicial experimental para uma primeira campanha pública, é a tomada da UNESCO. A burocratização, unificada em escala mundial, da arte e de toda a cultura é um fenômeno novo que expressa o profundo parentesco dos sistemas sociais coexistentes no mundo, sobre a base da conservação eclética e a reprodução do passado. A resposta dos artistas revolucionários a estas novas condições deve ser um novo tipo de ação. Como a existência mesma desta concentração administrativa da cultura, localizada em uma construção única, favorece o roubo por meio do golpe e como a instituição é completamente destituída de qualquer senso de uso fora de nossa perspectiva subversiva, nos achamos justificados diante de nossos contemporâneos para tomarmos tal aparato. E o faremos .

Estamos decididos a nos apossarmos da UNESCO, mesmo que por pouco, já que estamos seguros de fazer disso rapidamente uma obra que permanecerá, para esclarecer uma longa série de perguntas, como a mais significativa.

Quais deverão ser os principais caracteres da nova cultura e como ela se compararia com a arte antiga?

Contra o espetáculo reinante, a cultura situacionista realizada introduz a participação total.

Contra a arte conservada, é um organização do momento vivido diretamente.

Contra a arte parcelar, será uma prática global que se dirija ao mesmo tempo sobre todos os elementos utilizados. Tende naturalmente a uma produção coletiva e, sem dúvida, anônima (pelo menos na medida em que, ao não estar as obras armazenadas como mercadorias, tal cultura não estará dominada pela necessidade de deixar traços). Suas experiências se propõem, como mínimo, uma revolução do comportamento e um urbanismo unitário, dinâmico, suscetível de estender-se ao planeta inteiro; e de ser prolongado seguidamente a todos os planetas habitáveis.

Contra a arte unilateral, a cultura situacionista será uma arte do diálogo, uma arte da interação. Os artistas – com toda a cultura visível – chegaram a estar completamente separados da sociedade, do mesmo modo que estão separados entre si pela concorrência. Mas antes inclusive deste corredor sem saída do capitalismo, a arte era essencialmente unilateral, sem resposta. Superará esta era fechada do primitivismo por uma comunicação completa.

Ao ser, em um estágio avançado, todo mundo artista, isto é, inseparavelmente produtor-consumidor de uma criação cultural, se assistirá a dissolução rápida do critério linear de novidade. Ao se tornar todo mundo, por assim dizer, situacionista, se verá a uma inflação multidimensional de tendências, de experiências, de "escolas" radicalmente diferentes e isto não já sucessivamente, mas simultaneamente.

Inauguramos agora o que será, historicamente, o últimos dos ofícios. O papel de situacionista, de amador-profissional, de anti-especialista, é ainda uma especialização até o momento da abundância econômica e mental no qual todo mundo se tornará "artista", num sentido que os artistas não alcançaram: a construção da própria vida. Entretanto, o último ofício da história é tão próximo da sociedade sem divisão permanente do trabalho, que quando aparece, seu estado de ofício foi negado.

Aos que não nos compreenderam bem dizemos com um irredutível desprezo: os situacionistas, de quem vocês acreditam serem os juízes, vos julgarão um dia ou outro. Esperamos vocês no momento crucial que é a inevitável liquidação do mundo da escassez, sob todas as suas formas. Estes são nossos fins e serão os fins futuros da humanidade.



Internationalle Situationniste nº 4, 1960
Fonte: Biblioteca Virtual Revolucionária (www.geocities.com/autonomiabvr/).
Internacional Situacionista Publicado em Internationalle Situationniste nº 4, 17 de maio de 1960, trad. de Juan Fonseca publicada en DEBATE LIBERTARIO 2 - Serie
Acción directa - Campo Abierto Ediciones, Primeira edição: maio 1977. Traduzido para o português pelos editores da Biblioteca Virtual Revolucionária.



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Gabriela de Matos.

8 de fevereiro de 2010

6 atos plásticos em um território iluminado

da herança do teatro e pelas artes plásticas, uma ação sem categórica nomeação.

no Fig 2009 apresentamos um cortejo artístico pelas ruas das cidade de garanhuns, no interior de pernambuco.


nem ator ou representação. nem platéia nem anfiteatro.
no entanto de uma natureza que inegavelmente pertence ao teatro.

ampliá-lo? horizontalizá-lo? aproximá-lo? resignificá-lo? desmistificá-lo?
nem sempre. nenhuma pretensão na vanguarda nem mesmo em nomear-se teatro.


talvez o mais verdadeiro à arte seja sê-la genuina manifestação.
porque é da verdade que as coisas nascem.
porque é da manifestação que elas devem multiplicar-se.

a atmosfera:





                                                               acervo fluxo

(ana pedrosa

7 de fevereiro de 2010

Entrevista com Hakim Bey na High Times/ parte I

Hakim Bey

Muito antes dele se tornar uma lenda “cult”, eu ouvi pela primeira vez o nome do misterioso e esquivo Hakim Bey quando girava o dial do rádio em Nova York. Ele foi mencionado em um programa da WBAI FM chamado “A Cruzada Moura Ortodoxa”. Mas logo, amigos estavam falando em surdina sobre suas buscas à Zona Autônoma Temporária. Intrigado, eu procurei pelo clássico underground de Hakim, T.A.Z., A Zona Autônoma Temporária: Anarquismo Ontológico e Terrorismo Poético (Autonomedia, po Box 568, Brooklyn, ny 11211). Eu o achei numa pequena livraria esotérica que tinha desde trabalhos de Emma Goldman até Aleister Crowley. Eu comecei a perguntar sobre a Sociedade do Anarquismo Ontológico e sobre esse enigmático Hakim Bey. Ninguém sabia como chegar ao efêmero Hakim. Ligar para os editores dele me deixou ainda mais frustrado.

Hakim Bey também lançou um CD declamado com música de Bill Laswell pelo selo Axiom, chamado também de TAZ. Então eu os contatei também - inutilmente. Então um dia eu acho um bilhete na minha cama dizendo para vir à Rua Mott às 9 da noite para uma entrevista. Como isso veio parar aí? Na Rua Mott, um carro anônimo encosta e me leva a um obscuro restaurante num porão em Chinatown, onde uma cabine privada com cortinas está separada, com um pequeno narguilé e um prato cheio de Bolas de Templo Nepalesas(1). Sou convidado a entrar.

HIGH TIMES: Hakim, de onde você é?


HAKIM BEY: Bem, a informação padrão (que é tudo que eu falo) é que eu era um poeta da corte de um principado sem nome no norte da Índia, que eu fui preso na Inglaterra por um atentado anarquista a bomba e que eu vivo em Pine Barrens, Nova Jersey, em um trailer da Airstream(2). Quando eu venho a Nova York eu fico num hotel em Chinatown.


HT: O que é a Zona Autônoma Temporária?


HB: A Zona Autônoma Temporária é uma idéia que algumas pessoas acham que eu criei, mas eu não acho que tenha criado ela. Eu só acho que eu pus um nome esperto em algo que já estava acontecendo: a inevitável tendência dos indivíduos de se juntarem em grupos para buscarem liberdade. E não terem que esperar por ela até que chegue algum futuro utópico abstrato e pós-revolucionário.

A questão é: como os indivíduos em grupos maximizam a liberdade sob as situações dos dias de hoje, no mundo real? Eu não estou perguntando como nós gostaríamos que o mundo fosse, nem naquilo em que nós estamos querendo transformar o mundo, mas o que podemos fazer aqui e agora. Quando falamos sobre uma Zona Autônoma Temporária, estamos falando em como um grupo, uma coagulação voluntária de pessoas afins não-hierarquizada, pode maximizar a liberdade por eles mesmos numa sociedade atual. Organização para a maximização de atividades prazeirosas sem controle de hierarquias opressivas.

Existem pontos na vida de todos que as hierarquias opressivas invadem numa regularidade quase diária; você pode falar sobre educação compulsória, ou trabalho. Você é forçado a ganhar a vida, e o trabalho por si só é organizado como uma hierarquia opressiva. Então a maioria das pessoas, todos os dias, tem que tolerar a hierarquia opressiva do trabalho alienado.

Por essa razão, criar uma Zona Autônoma Temporária significa fazer algo real sobre essas hierarquias reais e opressivas – não somente declarar nossa antipatia teórica a essas instituições. Você vê a diferença que eu coloco aqui?

No aumento da popularidade do livro, muitas pessoas se confundiram com esse termo e usaram ele como um rótulo para todo o tipo de coisa que ele realmente não é. Isso é inevitável, uma vez que o próprio vírus da frase está solto na rede (para usar metáforas de computadores). Se as pessoas usam erroneamente ele ou não isso não é tão importante, porque o significado está incrustado no termo. É como um vírus verbal. Ele diz o que significa.

HT: Uma Zona Autônoma Temporária necessariamente se abstém do uso do dinheiro?


HB: Isso é difícil em uma situação real, mas pode acontecer. O Rainbow Gathering (3), por exemplo, se abstém do uso do dinheiro. Isso é quase que uma garantia de um grau muito maior de autonomia temporária para as pessoas que estão participando.


Eles na realidade aumentam seu prazer saindo fora da economia de dinheiro/mercadorias.

HT: A imprensa ligou o fenômeno TAZ ao movimento cyberpunk. Você acha que a Internet é uma Zona Autônoma Temporária?


HB: Não. Um mal entendido muito peculiar veio à tona. A revista Time fez uma matéria sobre o ciberespaço que me citou erroneamente - o que me deixou particularmente feliz. Se a Time entendesse o que eu estava falando, eu seria forçado a reestruturar toda minha filosofia, ou talvez desaparecer pra sempre em desgraça.

Eles diziam que o ciberespaço era uma Zona Autônoma, e eu não concordo. Enfaticamente não concordo. Eu acho que a liberdade inclui o corpo. Se o corpo está em um estado de alienação, então a liberdade não é completa em nenhum sentido. O Ciberespaço é um espaço sem corpo. Ele é, de fato, um espaço abstrato e conceitual. Não existe cheiro nele, nem gosto, nem sentimento e nem sexo. Se qualquer uma dessas coisas existe lá, são apenas simulacros dessas coisas e não elas mesmas.


A única coisa que a Internet ou o cIberespaço podem ter com relação à Zona Autônoma Temporária é que eles são instrumentos ou “armamento” para alcançar a liberdade. Então é importante trabalhar para proteger as liberdades de expressão e comunicação que estão abertas neste exato momento pela Internet contra o FBI e Clinton e a “Infobahn” (um bom termo em alemão para designar a auto-estrada da informação). Cuidado para não ser atropelado na Infobahn! Comunicando-se por uma BBS(4), um grupo pode planejar um festival de maneira muito mais eficaz, alguma coisa como um Rainbow Gathering, estruturado nas chances para maximizar o potencial para o surgimento de uma TAZ real. A Internet também pode ser usada para montar uma rede econômica alternativa genuína. Trocas e permutas trilhadas na Internet em comunicações privilegiadas.

HT: Você pode explicar o “Terrorismo Poético”?


HB: Por terrorismo poético eu entendo ações não-violentas em larga escala que podem ter um impacto psicológico comparável ao poder de um ato terrorista - com a diferença de que o ato é de mudança de consciência. Digamos que você tem um grupo de atores de rua. Se você chamar o que você está fazendo de “performance de rua”, você já criou uma divisão entre o artista e a audiência, e você alienou de si mesmo qualquer possibilidade de colidir diretamente nas vidas diárias da audiência. Mas se você pregar uma peça, criar um incidente, criar uma situação, pode ser possível persuadir as pessoas a participar e a maximizar sua liberdade. É uma estranha mistura de ação clandestina e mentira (que é a essência da arte) com uma técnica de penetração psicológica de aumento da liberdade, tanto no nível individual quanto no social.


HT: Você pode fazer algumas sugestões especial ao leitor da HIGH TIMES para criar uma TAZ?


HB: Ok, tudo bem. Eu gostaria de dizer isso ao movimento canabista, e, em um nível mais amplo, eu gostaria de direcionar isto ao movimento libertário em geral, que é um aliado próximo, cruza e tem áreas de contingência com o movimento canabista.


Se os Libertários tivessem gasto os últimos quinze anos organizando redes econômicas alternativas para potencializar a emergência de uma Zona Autônoma Temporária e levá-la rumo a uma Zona Autônoma Permanente, ao invés de jogar o jogo fútil das políticas de terceiros, que é uma posição fracassada desde o início; se o movimento canabista tivesse colocado sua energia nos últimos quinze anos na organização de redes econômicas alternativas, não necessariamente baseadas em trocas “criminosas” de dinheiro por maconha mas nas necessidades e possibilidades básicas da vida real; se toda essa energia fosse direcionada nesse sentido, ao invés do que parece para mim uma quimera total, um fantasma totalmente abstrato chamado “poder político democrático legislativo” - então eu penso que estaríamos há muito no caminho claro da mudança revolucionária nessa sociedade.

Nessas circunstâncias, toda essa boa intenção e grande energia foi mal direcionada em um jogo - um jogo em que a autoridade cria as regras, e nas quais “eles” criaram as regras para que pessoas como eu e você não possam ganhar poder dentro desse sistema.



Agora isto é uma crítica anarquista que eu estou fazendo, com os motivos mais camaradas possíveis. Eu acho que é uma tragédia essa energia ter sido mal direcionada. Eu não acho que é tarde demais para acordar e ver o que está na verdade acontecendo(5) aqui.

Outro ponto que eu gostaria de falar é que a HIGH TIMES foi particularmente culpável durante a última eleição, quando conclamou seus leitores (incluindo uma grande porcentagem de usuários de maconha nesse país) a votar naquele Clinton filho da puta, baseado em um rumor extremamente suspeito: de que Al Gore, um conhecido mentiroso, hipócrita e embusteiro, cochichou pra alguns ativistas da maconha que ele estava do lado deles. E por isso, presumivelmente, milhares, se não milhões, de fumantes de maconha saíram e votaram em um outro bando de filhos da puta, se esquecendo toda a sabedoria do antigo slogan anarquista, “nunca vote, isso só encoraja os bastardos.”



Eu vou fazer uma aposta agora. Eu como a edição da revista em que isto será impresso se, sob a administração Clinton, existirem quaisquer melhoras na lei relacionada ao uso da cannabis por prazer. Pode haver um pequeno abrandamento no uso da maconha medicinal ou comercial. Mas não haverá abrandamento - de fato, somente haverá uma maior regulação - no uso da erva por prazer. Ok? E se isso não for verdade, eu como a porra da revista com uma merda de um leite e um açúcar.



HT: Isso seria um ato de terrorismo poético?

HB: Heh, heh.



HT: Você acha que o movimento canabista é contraproducente em alguns aspectos?

HB: Antes de qualquer crítica, eu preciso enfatizar que eu pertenço a uma religião em que a maconha é um sacramento, e eu sou um defensor vitalício de ações pró-maconha. Eu uso o termo “ação” ao invés de “legalização” por uma razão muito específica, na qual eu vou chegar. Daí eu ofereço crítica em um espírito construtivo. Eu quero que isso fique bem claro, como Nixon costumava dizer.



Nos anos em que vêm existindo um movimento pela legalização da maconha, todas as leis desse país ficaram piores e mais opressivas. No tempo em que vêm existindo um movimento de legalização da maconha, o preço da erva ficou proibitivamente caro por causa da Guerra às Drogas. Existe aí uma relação direta entre a Guerra às Drogas e o movimento pela legalização da maconha? Provavelmente não muita. Porém, tagarelar tudo todo o tempo e fazer tudo aberto, deixando as estatísticas e listas de discussões disponíveis para as agências de inteligência e outras não é uma tática boa quando você está na verdade lidando com uma substância ilegal.



Eu acho que temos um complexo de mártir nessa situação. Existem pessoas que querem confrontamento contra uma projeção psicológica do que eles acham que é a “autoridade”. Em outras palavras, contra quem é relativo à autoridade de um jeito autoritário. Simplesmente por desafiarem abertamente essa autoridade, eles estão se definindo como criminosos e vítimas do estado.



HT: Você acha que eles poderiam usar um pouco de terrorismo poético?



HB: Eu acho que eles poderiam usar um pouco de clandestinidade sensata e um pouco do senso do terrorismo poético, sim.



HT: Você escreveu extensamente sobre os tongs(6), as sociedades secretas Chinesas. Você diria que a economia underground da maconha é organizada de forma semelhante aos tongs?



HB: Absolutamente, é organizada como uma soma, como uma... bem, não é organizada como uma soma de tongs, e é isso que é o problema. O ponto é que um tong é uma sociedade secreta. E isto, novamente, é algo que não é somente uma fantasia; é algo real. Um grupo de amigos com afinidades que se junta para intensificar seu prazer e liberdade por meios que não sejam reconhecidos como legais pela sociedade criou inconscientemente uma tong. O que eu acho que eles poderiam fazer é conscientemente criar uma tong. O que nós precisamos aqui é uma estética e uma tradição de sociedades clandestinas não-hierárquicas.

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NOTAS
1. Bolas de Templo Nepalesas (Nepalese Temple Balls) - nome dado para pelotas de haxixe.
2. Airstream - Tradicional marca americana de trailers e motor-homes, pertencente à Thor Industries. Seu website é www.airstream-rv.com.
3. Rainbow Gatherings - festival-encontro dos participantes da “Família Arco-Íris da Luz Viva”(Rainbow Family of Living Light), que na realidade não é uma organização, mas diferentes pessoas que pregam a construção de pequenas comunidades, não violência, estilo de vida alternativo, Paz e Amor, e tradições indígenas americanas. Esse encontro, que acontece anualmente, tem por objetivo rezar pela paz no planeta.
4. BBS - Bulletin Board System, um termo de informática que designa uma base de dados de mensagens acessível pela Internet, ou melhor ainda, um mural de recados eletrônico.
5. No original, “I don’t think that it’s too late to wake up and smell the coffee here.”
6. Tong - sociedade secreta chinesa, do cantonês tong, “assembléia de todos”.
retirado so site: http://pt-br.protopia.wikia.com/wiki/Entrevista_com_Hakim_Bey_na_High_Times