Alguns movimentos do cinema pós-segunda guerra mundial são bem conhecidos. É o caso do neo-realismo italiano, da nouvelle vague francesa ou do cinema novo brasileiro. Todos esses movimentos propunham um novo fazer cinematográfico, um cinema de autor, de forte tendência ideológica socialista, buscando uma alternativa ao cinema comercial de Hollywood. A própria indústria norte-americana seguiria esse viés, através de produtoras independentes surgidas a partir de meados da década de 1950.
Atualmente no Brasil existem movimentos em áudio-visual que seguem a linha desse cinema independente, cada qual com suas características próprias, mas buscando todos meios de produção alternativos. Cito três deles aqui: cinema possível, cinema pobre e cinema canibal.
O cinema possível tem, por característica, a busca de meios que possibilitem ao autor/diretor expressar suas idéias, dentro de uma estética e estilo próprios – que vão desde as produções mais convencionais às altamente experimentais. Diante do custo de se fazer cinema, o vídeo pode ser uma alternativa e até câmeras de celular servem para captação de imagens. Estúdios de edição caros e inacessíveis são substituídos por programas de edição baixados em computadores comuns. Cenários e figurinos são improvisados e o trabalho é feito em parceria, com amigos ou pessoas que busquem participar da mesma experiência criativa. Utilizar o possível, que esteja disponível, para atingir o máximo de qualidade na produção, essa é a meta principal do cinema possível.
O cinema pobre busca a limpeza, a simplicidade crua no uso da câmera e na edição das imagens. Herdeiro direto do cinema novo, que tinha como lema uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, está muito próximo de outro movimento recente, o dogma. Passa também pelo neo-realismo, pela negação do ator profissional, buscando pessoas comuns para atuar como elas mesmas. Nesse ponto, o cinema pobre é quase documental e fortemente marcado pela ideologia. Mais do que o cinema possível, cuja preocupação é o fazer, a busca de soluções técnicas para a realização de uma idéia, o cinema pobre se pretende engajado nas questões sociais do espaço em que atua.
Cinema canibal surge da produção do cineasta catarinense Petter Baiestorf, que montou a Canibal Produções no início da década de 1990 para produzir o chamado cinema trash. O termo “trash” é muito subjetivo, mas refere-se principalmente a um cinema feito com poucos recursos, geralmente com temas fantásticos ou bizarros. Esse cinema foi muito popular na década de 1950, nos cinemas de drive-in. No Brasil, seu principal representante seria José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Boa parte dessa produção apela para o horror gore ou splatter, com muito sangue, mutilações e escatologia. O que difere o cinema canibal do trash convencional é que Baiestorf busca aliar sua produção a um movimento estético-ideológico, através de manifestos onde defende uma produção anarco-poética.
Se esses movimentos atingem os objetivos a que se propõem é algo a ser visto com o tempo. Dos três, a maior produção parece ser a do cinema canibal, com uma longa filmografia que inclui pérolas como Monstro Legume do Espaço e Caquinha Superstar, e com seguidores que buscam imitar a linha de suas produções. Mas é sempre difícil mensurar isso, quando se pensa que tanto o cinema possível quanto o cinema pobre podem não significar movimentos, no sentido exato do termo, mas iniciativas isoladas independentes que se assemelham e podem ser executadas a qualquer momento, em qualquer lugar, sem que seus produtores saibam que seguem uma tendência já existente. Afinal, trata-se aqui, em qualquer dos casos, de cinema de resistência, sejam curtas ou longas-metragens, em vídeo ou sob qualquer outro suporte (até imagens de câmeras pin-hole servem para se fazer um curta).
Cinema pobre, possível, canibal; seja qual for a denominação, três fatores sempre se impõem como determinantes na produção do áudio-visual independente: criatividade, informação e vontade. A criatividade, na forma de uma idéia, é o ponto de partida. A informação vem na forma de uma bagagem cultural ampla, que permita trabalhar essa idéia dentro da linguagem do áudio-visual. E vontade, principalmente, para superar as dificuldades e levar o projeto adiante, até sua conclusão.