19 de dezembro de 2010

nós neste fluxo.

hoje faz um ano desde que iniciamos esta empreitada espiritualmente artística.
estamos sempre por aí.
menos aqui, mais ali
mas sempre por aí.
neste um ano nos perdemos, nos achamos, ganhamos, aglomeramos, nos conectamos, fizemos tudo,
tudo, tudo, tudo que deu.
seguimos o nosso fluxo e trouxemos muita gente com a gente.
terminamos o ano com o saldo estritamente positivo.
com a certeza de que dá pra fazer e que de uma forma ou de outra iremos fazer.
e pra ana:
não, aninha. não virá...
já veio!



gaub de matos.

29 de outubro de 2010

poética da tradução cinco: apropriação e herança poética

poética da tradução cinco: apropriação e herança poética

questão III - alice ruiz

Se a preguiça é pecado,
o que Deus estará fazendo agora?
Em que se ocupa aquele que tudo pode?
Terá restado algo por fazer
depois que o mundo foi criado?

Se o desejo é fraqueza,
Deus nunca deseja?
Mas se é verdade que nos criou,
algo nele desejou.

Se a vaidade é um erro,
por que nos fez
À sua imagem e semelhança?
Ou terá sido o contrário?

Por que criar alguém
capaz de duvidar da criação?
Por que nós e ele não?

xx

arte do chá - paulo leminski

ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo

ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo
 
xx


palavras - sylvia plath/
tradução de Ana Cristina César

Golpes
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.

A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha

Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro

Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.

26 de outubro de 2010

teatro da vertigem- apocalipse 1,11


última peça da trilogia bíblica do Teatro da Vertigem.
dramaturgia de Fernando Bonassi com encenação de Antônio Araújo.
teatro que se fez dentro de um presídio.
uma tomada do corpo e do espaço. uma reinvenção cênica. 
uma invasão. o apocalipse:

 

consulta: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=espetaculos_biografia&cd_verbete=236

saber mais: LIMA, Mariângela Alves de. O intrigante e pungente 'Apocalipse 1,11'. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 jan. 2000. Caderno 2, p. E-2.

22 de outubro de 2010

poética da tradução quatro: tradução e ousadia

poética da tradução quatro: tradução e ousadia

Poema de Joaquim Manoel de Macedo:

Mulher, irmã, escuta-me: não ames,
Quando a teus pés um homem terno e curvo
Jurar amor, chorar pranto de sangue,
Não creias, não mulher: ele te engana!
As lágrimas são galas de mentira
E o juramento manto de perfídia


Tradução de Manuel Bandeira:

Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você
E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
Se ele chorar
Se ele se ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredita não Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
CAI FORA

"Tradução" do português para o português.

19 de outubro de 2010

teatro da vertigem - o livro de jó

O livro de Jó é a segunda montagem da trilogia do teatro da vertigem.

texto de Luís Alberto de Abreu com encenação de Antônio Araújo.

a peça acontece em 1995 no Hospital Humberto Primo, em São Paulo, percorrendo durante sua execução desde a entrada até o centro cirúrgico no último andar.

Iluminação, música, figurino e cenário pensados para valorizar a arquitetura e geografia do lugar, criando todo o espaço/corpo necessário para que a peça se fizesse absoluta:
uma ritualização do espaço cênico com o espaço arquitetônico_
‘’O espaço do hospital não é mero cenário vazio. Antônio Araújo explorou-o nos mais variados recantos. Desde as primeiras imagens, em que três grandes paredes de vidro, muito bem iluminadas por Guilherma Bonfanti, abrem a visão do interior, até a utilização do instrumental próprio - macas, mesa cirúrgica, recipientes de soro etc - tudo é apropriado para que o sofrimento de Jó funcione também como clara metáfora da grande moléstia contemporânea. (...) O adaptador conseguiu marcar as 'vozes' dos interlocutores de Jó e sobretudo a da mulher dele, que existe como sua oponente dramática, trazendo o texto para o domínio do teatro. As simplificações da montagem atendem ao desenho interno da criação de Antônio Araújo, sem desrespeitar o propósito do dramaturgo de, ao lado do auto de fé, reivindicar a legitimidade do auto profano".¹



¹ MAGALDI, Sábato. O Livro de Jó provoca impacto. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 24 ago. 1996. Caderno 2, p. D4.

citação: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=espetaculos_biografia&cd_verbete=302 

sobre a peça (necessário): http://www.teatrojornal.com.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=328:qlivro-de-joq-revela-peso-da-crenca&catid=35:diario-de-mogi&Itemid=34

15 de outubro de 2010

poética da tradução três: poética do traduzido

poética da tradução três: poética do traduzido

"OLHAR PARALISADOR Nº 91

o olhar da cobra pára
  dispara
  paralisa o pássaro

   meu olhar
   cai de mim
   laser
   luar

meu despertar    despertar
meu amor desesperado  do meu olhar
meu mau olhado   despertador
  meu olhar
  leitor"



"PARALYZING GAZE 91



the gaze of the cobra lies
   belays
   paralyzes the bird

    my gaze
    falls away
    lunar
    laser
my awekening  to arouse
my disarming love from my alarming
my evil eye  gaze
  my gaze
  reader"

poema de leminski traduzido por charles perrone)))

12 de outubro de 2010

teatro da vertigem – o paraíso perdido

o teatro da vertigem é um grupo teatral formado em 1992  pelo encenador antônio araújo, que reuniu uma equipe vinda da formação em comunicação e/ou artes da usp. 
o grupo tornou-se o mais representativo teatro dos anos 1990, sendo 'responsável pela pesquisa e criação de espetáculos em espaços não convencionais'.
a primeira montagem do grupo foi a emblemática trilogia bíblica formada por Paraíso Perdido, 1992, de Sérgio de Carvalho; O Livro de Jó, 1995, de Luís Alberto de Abreu; e Apocalipse 1,11, 2000, de Fernando Bonassi.
Paraíso Perdido foi livremente inspirado no poema barroco de John Milton. 'A dramaturgia é desenvolvida junto aos intérpretes por Sérgio de Carvalho e, após um ano de preparo, a encenação de Araújo estréia na Igreja de Santa Ifigênia, no centro de São Paulo. Uma árdua batalha é travada nos bastidores, pois setores conservadores da comunidade religiosa não concordam que a igreja seja utilizada para um espetáculo teatral. Vencidas as resistências, afinal, a realização mostra-se bela, grandiosa, um comovente diálogo entre as figuras humanas em sua busca pela essencialidade divina.'

segundo o autor e crítico Aimar Labaki, da trilogia, Paraíso Perdido terá sido uma das peças mais resolvidas cenicamente- em termos de dramaturgia.
 

citação:  http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=cias_biografia&cd_verbete=289

site oficial: http://www.teatrodavertigem.com.br/site/index.php


A gênese da vertigem: o processo de criação de O Paraíso Perdido:  http://www.pos.eca.usp.br/index.php?q=pt-br/node/2757

recomendação:  LABAKI, Aimar. Antônio Araújo e o Teatro da Vertigem. In: TEATRO da Vertigem: trilogia bíblica. São Paulo: Publifolha, 2002. p. 23-24;30.

8 de outubro de 2010

poética da tradução dois: poética do tradutor

poética da tradução dois: poética do tradutor

descuido não (concentração) 
                    lembrar da caretice que você não gosta. 
                    reaproveitar o casaquinho de banton. 
                    quando você mal pensa que é novidade, não é. 
                    Existe uma medida entre o descuido e a 
                    premeditação — trata-se do cuidado (floating 
                    attention). Daí escapam maps of England birds, pessoas seguindo numa certa direção, 
                    bichos que vão virando gente, discretamente eróticos, desejando 
                    mancha transparente e diluída de aquarela cor de rosa, 
                    see? 
                    Medida exata entre o acaso e a estrutura. 
                    Aprender fazendo, baby. 
                    começar pelas médias (daí para pequenas, depois para grandes)

xxx

18.8.80
I am going to pass around in a minute some lovely, glossy-blue
picture postcards.
Num minuto vou passar para vocês vários cartões postais belos e bri-
lhantes.
Esta é a mala de couro que contém a famosa coleção.
Reparem nas minhas mãos, vazias.
Meus bolsos também estão vazios.
Meu chapéu também está vazio. Vejam. Minhas mangas.
Viro de costas, dou uma volta inteira.
Como todos podem ver, não há nenhum truque, nenhum alçapão
escondido, nem jogos de luz enganadores.
A mala repousa nesta cadeira aqui.
Abro a mala com esta chave mestra em cerimônias
do tipo, se me permitem a brincadeira.
A primeira coisa que encontramos na mala, por cima de tudo,
é — adivinhem — um par de luvas.
Ei-las.
Pelica.
Coisa fina.
Visto as luvas — mão esquerda... mão direita... corte... perfeito.
Isso me lembra...
Um jovem artista perdido na elegante Berlim da Belle
Époque, sozinho, em vão procurando por
prazer. Passa um grupo ruidoso
de patinadores, e uma mulher de branco deixa cair
a sua luva, uma luva com seis botões, branca, longa, perfumada.
O jovem corre, apanha
a luva, mas reluta se deve aceitar ou não o desafio.
Afinal decide ignorá-lo, guarda a luva no bolso e volta caminhando para o seu hotel por ruas
mal iluminadas.
Mas assim me desvio do meu propósito desta noite.

trechos de ana cristina césar)))

5 de outubro de 2010

teatro_ resistência_ josé celso


O Teatro Oficina foi criado em 1958, pautado numa politização da construção estética e a partir do desejo de se inaugurar no Brasil um teatro que entendesse e se fizesse entender de uma nova forma: um teatro mais difundido socialmente; livre de mitos separatistas e elitistas que o ordenasse; e que trouxesse a experiência cênica internacional. O Teatro Oficina foi um marco na concepção teatral brasileira, uma subversão de um teatro imposto e uma abertura pra uma verdadeira forma de ação social.

Um de seus fundadores foi o dramaturgo José Celso_ personalidade emblemática na formação do Oficina. Com construção sistematicamente coletiva, o Teatro Oficina, desde a década de 60 construiu-se um grupo de atividades fundidas: teatro, cinema e música; em cursos, seminários, debates, eventos, publicações e manifestações públicas.
Na década de 60 o Teatro Oficina foi o porta-voz da instauração do movimento tropicalista e, junto à Tropicália foi o grito antropofágico da década que padecia sob a repressão do AI-5, no governo militar.

O presidente militar Garrastasu Médici prometeu que dentre as maiores desgraças que fariam no Brasil com a ditadura militar seria acabar durante pelo menos 30 anos com a cultura brasileira (em conversa com amigos, nos lembramos disso a poucos dias), porque eles sabiam que um povo não se desenvolve sem a consciência cultural e então pode ser suprimido por toda e qualquer repressão: o poder, a peste. Ainda assim, o prédio do Oficina, construído pela arquiteta Lina Bo Bardi foi tombado em 1982 e por conta de sua arquitetura propositadamente e obviamente resistente, é hoje um patrimônio cultural_ símbolo da transformação e resistência da produção de arte, conhecimento e consciência no Brasil:
As atividades do Oficina estão firmes e fortes e José Celso não cai jamais!

(Em momentos aparentemente mais decisivos por conta de escolhas governamentais, esperamos sempre mais braveza, por isso viemos celebrar o Oficina. No entanto essa é uma mensagem atemporalmente ativa  e estamos aqui porque acreditamos na recuperação coletiva cultural do Brasil e não há quem nos faça desistir disso.)

AXÉ!




http://teatroficina.uol.com.br/

4 de outubro de 2010

gravura_II

É preciso apagar das gravuras, a legenda.
Perpetuar o gesto e o desejo.
Abandonar a margem o branco do papel e o medo.
Deixar que a gravura seja, a tempo. 








--
BARBOSA, M. M. M. para acabar com as obras-primas ou sobretudo o verso.

1 de outubro de 2010

poética da tradução um: início

poética da tradução um: início

há muitas distintas vertentes a respeito do exercício da tradução da poesia.
alguns severos crêem na impossibilidade de se traduzir um poema, me fazendo ser triste ao pensar que poderia não ser possível conhecer mallarmé. outros, levianos, assassinam sem pudor o poema, e castra o leitor do traduzível de ter a experiência poética gerada pelo autor. eu? mesmo que não há quem queira saber, insisto na sentença da tradução como uma transformação que precisa dum sujeito de coragem, que se lance para dentro do texto a fim de resgatar e ampliar as fronteiras dum poema que outrora reinava em uma só língua. não se trata duma balança, duma só responsabilidade cultural, dum respeito medroso duma língua. tradução é um outro desejo. este mês, entraremos num espaço de interseções em que não me posicionarei de forma que minha fala sobreponha o poema. por que? porque o comentário é menor que o poema.

“Todo texto é único e, é, ao mesmo tempo, tradução de outro texto. Nenhum texto é completamente original porque a própria língua, em sua essência, já é uma tradução: em primeiro lugar, do mundo não - verbal e, em segundo, porque todo signo e toda frase é a tradução de outro signo e de outra frase. Entretanto, esse argumento pode ser modificado sem perder sua validade; todos os textos são originais porque toda tradução é diferente. Toda tradução é, até certo ponto, uma criação e, como tal, constitui um texto único.” Octavio Paz.

28 de setembro de 2010

sobre a história do living theatre

the living theatre é um grupo teatral offf-broadway (peças menores e comercialmente menos articuladas, podendo ser portanto mais experimentais e aventureiras) fundado em 1947 pelos alemães judith malina e julian beck. 
o living theatre promoveu quase uma centena de peças em oito línguas distintas, em 28 países e nos cinco continentes.
durante os anos 1950 e início dos anos 1960 em nova york, foi pioneiro no preparo convencional do drama poético tanto de autores americanos como europeus, mas a dificuldade de auto-sustentar um projeto cultural experimental levou ao fechamento de todas as suas repartições.

'Em meados da década de 1960, a empresa iniciou uma nova vida como um conjunto de turismo nômade. Na Europa, evoluiu para uma coletiva, viver e trabalhar juntos para a criação de uma nova forma de agir não-ficcional baseada no compromisso político e físico do ator com a utilização do teatro como um meio para promover mudanças sociais.
Na década de 1970, o Living Theatre começou a criar O Legado de Caim, um ciclo de execuções para locais não-tradicionais. Das prisões do Brasil para os portões das fábricas de aço em Pittsburgh, e das favelas do Palermo para as escolas de Nova York. (...)
Em 1980 foi o retorno do grupo ao teatro, onde desenvolveu novas técnicas participativas que possibilitam que o público se juntasse a eles no palco como intérpretes (...)'

após a morte de julian beck em 1985, abriram um novo espaço espetáculo, produzindo um constante fluxo de trabalhos inovadores. com o fechamento desse espaço em 1993, a empresa passou a criar anarchia, utopia e mudanças capitais em outros locais de nova york.
hoje desenvolvem um programa de repertório, musical, dança, poesia e eventos políticos. suas atividades objetivam um fim da distância entre palco e platéia, o experimentalismo, a exaltação da estética arte e política e o fim das fronteiras arte e vida.



24 de setembro de 2010

o desconhecido quatro

[caranguejúnior] > poeta do tietê

O SERTÃO VAI VIRAR SÃO PAULO E SÃO PAULO VAI
VIRAR SERTÃO
)))))))))))))) ((((((((((((((

Dias SECOS))) SECOS))) SECOS))))))

Ar SECO))) SECO))) SECO))))))

Povo SECO))) SECO))) SECO)))

Olhar SECO))) SECO))) SECO)))))

Lábios SECOS))) SECOS))) SECOS)))

Boca SECA SECA SECA

Garganta SECA SECA SECA

E eu reverberando )))) poesias de concreto.

23 de setembro de 2010

o filme de samuel beckett





[Filme, de 1965, é um experimento teatral e filosófico que questiona os princípios da percepção a partir do olho humano e do olho da câmera; é também o único filme no qual Samuel Beckett participou escrevendo o roteiro e supervisionando as filmagens dirigidas por Allan Schneider e com a atuação de Buster Keaton. Samuel Beckett partiu dos princípios da filosofia do também irlandês George Berkeley sobre a percepção: Ser é ser percebido. Pode-se conceber três momentos do esquema perceptivo proposto por Beckett: um primeiro em que o ser a ser percebido se encontra em cena externa, o que o expõe diante do outro; um segundo momento em que ele está dentro de um ambiente fechado com apenas uma janela que permitiria a percepção externa deste ser, além do olhar animal (gato, cachorro, papagaio e peixe), do próprio espelho e de sua memória fotográfica; e um terceiro momento quando a câmera se aproveita do fechar de olhos do personagem para se dirigir a ele. É um momento especial pois, atônito, ele se depara consigo mesmo, ou seja, revela-se percepção dupla de si diante do outro.]

Lina Bo Bardi, SP, Brasil.

Quando eu já tinha desistido de escrever meu post dessa semana, por estar fora de casa, por estar sem tempo e etc. Me deparo com essa situação: ímpossível vir a São Paulo e não falar de Lina Bo Bardi.
Ontem me enchi de graça ao retornar ao Sesc Pompéia. E como sei que muitos de vocês não sabem da arquiteta por trás daquele projeto grandioso, e por trás de tantos outros.
Apresento pra vocês um documentário sobre a vida de Lina.
Lindo de ver!
Se deliciem:





Obs:
O documentário se não me engano, vai ate a Parte 6.
O link para continuar assistindo: http://www.youtube.com/watch?v=JTEAdex1MOE&feature=related






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Gaub de Matos.

20 de setembro de 2010

gravura_ I

 a voz da gravura e algumas de suas adjacências para que você se aproxime:

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para definir se o avesso é meu desejo
se ser matriz é apenas meu transporte
se nunca será entregue a mãe o direito de encenar
para entender o que quer a arte com a geometria
de me enquadrar onde o que existe é molde
para saber quando poderei estrapolar a margem
pular a cerca da casa que há séculos me habita
quando o que quero é vida cigana
para desvendar a álgebra
e destituir o poder que me numera messe estado
e não lê meu efeito de indivíduo
para subverter minha língua
para me sorver espírito

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desejo descravar meus pés de uma língua traqueostômica constipada
que outrora quis me prender no papel
de me acidentar como desenho

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gravura é como bethânia
uma leoa faminta
preciosidade para grandes colecionadores

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mangue é uma palavra
que o aurélio não reconhece
não diz respeito à biologia

o mangue é o exílio originário da arte
onde ficam escondidas todas as palavras
que querem dizer manifestação

o mangue causa fala acima de sua vegetação

a gravura está na pata do carangueijo
que encrava fere e não cala

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porque eu sou uma palavra cansada de ser pedra
a cicatriz
a língua
tudo que se faz salto de não prender a verso à arte
tudo que se dá santa a guerra de voar por ela

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In: PEDROSA, Ana. Tratado da Gravura. Trabalho de Conclusão de Curso. Escola Guignard, UEMG. 2009.

17 de setembro de 2010

o desconhecido três

[semíramis]
rascunhos nas ruínas do templo            


                   I
Esse andar de abracadabras
na noite de flagelos.
Para você
esconderei a adaga
antes que no pescoço do cordeiro
ela faça seu caminho.
Não tenhas medo.
Os seios que alimentam o mundo
são os mesmos
que atordoam
seus quereres.
  
                            II

Assim quando
foi girada a ampulheta
e congelei meu grito
no espelho.
A vida escorrida
no torso suado
do cavalo negro.
                                 Corro.
O vento açoita-me o rosto
as ferraduras reviram
lúpulos e pedras
— mesmo assim, nada vejo.
Os grãos da ampulheta
deslizam na madrugada eterna
— agarro-me nas crinas
os galopes atravessando uma sucessão de Eras.
                                 Morro.

                         III

As horas pesadas
batem batem batem
numa bigorna
de sexo e dor.
Essas lâminas saem curvas
e amoldam
todas as Verônicas e Salomés.
Sou a anônima enfim liberta.
Não escrevo mais para ti
ou para outrem.
Escrevo para o Gozo
      ou para mim.
Eis-me mais que nua
     mais que falanges
     mais que um futuro cadáver ao sol.
Eis-me íons
      sêmen
      plasma.
                                 fim

                      IV

O que restou?
Resta-me agitar meus guizos
e rir de nós?
Não há claro-escuro
sombra-luz
sim-não
— porque eu diluí
na lucidez acre
todos os perfis e todas as respostas.
E,  porque:
uma chuva de semânticas
e adjetivos
não transformam em éden
este deserto.
Já não me restam nem restos
para sorrir.
A eterna ilusão escatológica
                que é viver.


                                 V
Aqui os derradeiros momentos
dos nossos apocalipses:
as bocas que entredevoram o medo
as carnes suadas nas carícias de beijos.
Quis teu corpo.
As palavras que, sei,
nunca irá dizer.
O chulo escondido nos sorrisos
a devassidão que não viverá.
Sou a puta que entregou-se aos homens
no templo da deusa
e que recolheu os óbolos
para as profecias.
Sou livre. E meu Destino sou eu mesma.
E tu, desejado no mezzo minuto
que passou
cumpre assim a sina dos fracos.
Ser alimento das piras
e arder na covardia.


[Seleção de poemas do livro Delivrário de amor e morte — opus nefandus]