Anos 80, minha mãe ainda era jornalista, entrevistadora para o Correio do Povo em Porto Alegre. Bom, eu obviamente não lembro dos detalhes, devia ter uns 5 ou 6 anos na época, não foi uma época fácil, mas guardo as mais doces e remotas lembranças. Passávamos os fins de semana na redação do jornal, centenas de máquinas de escrever com seu barulho incessante, teclas mecânicas. Engraçado como a memória engana a gente, especialmente quando somos pequenos, talvez tudo não tenha tido a imensidão de que lembro agora.
Minha mãe contou, que um dia foi entrevistar um senhor, um artista. Eu não estava lá, e fiquei sabendo da história muito tempo depois, mas não sei porque na minha mente tenho a idéia de que tudo era muito frio naquele ateliê. Lá o senhor contou a sua história pra minha mãe, não sei se era exatamente a pauta da entrevista, mas ele entrou em grandes detalhes sobre sua vida pessoal. Minha mãe ficou emocionada com sua história.
Quando ele era jovem, um dia estava na rua e viu uma mulher sendo atacada por um rapaz, não sei se era assalto ou algo pior, muito menos o que aconteceu depois, mas o senhor (jovem na época) enfrentou o agressor e acabou matando-o. Talvez tenha sido um ato heróico, ou o sangue quente do momento, mas aquilo perseguiu-o por toda sua vida. Da culpa por ter tomado outra vida, a conseqüência foi um tormento que o seguiu por toda vida. E no final, já velho, um artista consagrado, era aquela história que ele queria dividir com a bela (por minha conta, mas acreditem) repórter.
Ele falou: “pode escolher qualquer um dos meus trabalhos para ti”. Minha mãe encabulada pegou um pequeno croqui. Ano passado minha mãe me deu de presente estre croqui, como presente por pela minha formatura. O apresento aqui para vocês.
Iberê Camargo, 1986
JFBrittes